Uma Imigração Austríaca
È extremamente necessário repensar a história da imigração no Rio Grande do Sul, para desconstruir certas representações do passado, principalmente aquelas em que a historiografia tradicional coloca os imigrantes trentinos (Trentino Alto Ádige) ou tiroleses do Tirol Meridional (Tirol Italiano) emigrados até 1918, como fazendo parte da imigração italiana. No máximo, estes emigrantes poderiam ser incluídos no contexto dos imigrantes de língua italiana. Eram imigrantes austríacos porque nasceram na Áustria e não se definiam “trentinos”, mas “tiroleses” que saíram da Itália simplesmente porque geograficamente o Tirol Italiano sempre esteve na península da Itália. Ao rever os números oficiais da imigração italiana, é possível esclarecer as dúvidas a este respeito, pois a região do Trento não aparece nas estatísticas oficiais da Itália, porque essa região era território da Áustria.
A região do Tirol, atualmente dividida entre Áustria e Itália. Disponível em: 2016/04/24/revista-blumenau-em-cadernos
São
raros os estudos sobre a historiografia regional em relação à imigração
tirolesa, são poucos os estudiosos brasileiros, que tem tratado de forma mais
específica, aspectos da vida dos imigrantes do Tirol Italiano e das relações
destes com os demais imigrantes italianos, principalmente com foco voltado aos
conflitos entre esses dois grupos.
Assim
que chegavam ao Brasil, os tiroleses italianos eram muitas vezes classificados
como “imigrantes italianos” por causa do idioma. Essa prática era comum nas
autoridades brasileiras, que de um modo geral desconheciam a realidade
plurilíngue do Império Austro-Húngaro (1867-1918). Os imigrantes não eram
classificados segundo a sua nacionalidade, mas de acordo com sua etnia e seu
idioma. Sobre essa postura das autoridades brasileiras, lamentava-se o cônsul
austríaco de São Paulo em um documento datado de 01/03/1904, onde exigia um
reposicionamento na forma de tratar esses imigrantes, assim expressando a sua
contrariedade:
“Aproveito esta ocasião para chamar a
atenção de V. Excia. sobre um aspecto que, em meu modo de ver, é uma falta
capaz de dar ao processo de imigração uma aparência muito contraditória à
realidade. Refiro-me aos casos, por mim observado tantas vezes, nos quais
súditos austríacos conhecedores da língua alemã ou italiana aparecem nas
estatísticas como súditos alemães [do Império Alemão] e italianos [do Reino da
Itália]”.
Talvez tenha sido mais fácil ou conveniente colocar
todos os imigrantes de língua italiana no mesmo balaio, assim é feito até hoje.
Para atestar essa afirmação, vou citar um exemplo: A comunidade de Bento
Gonçalves por ocasião da comemoração dos 125 anos da Imigração Italiana no Rio
Grande do Sul, completados em 24 de dezembro de 2000, colocou uma placa, no exato lugar em que
chegaram os imigrantes em 1875, como forma de homenagear as vinte primeiras
famílias de imigrantes italianos que fundaram a Colônia Dona Isabel, hoje o
município de Bento Gonçalves. Entre essas famílias, a de meu bisavô Giusepe Giacomo
Rampanelli. Tudo muito perfeito, de elogiável iniciativa, se não fosse apenas
por um único detalhe: todas as famílias homenageadas eram de imigrantes
tiroleses, portanto vindos da Áustria e não da Itália.
Porém
uma placa não é suficientemente capaz de modificar a história, cancelar a
cultura e as tradições dos imigrantes, muito menos de mudar a nacionalidade dos
imigrantes austríacos.
Placa em homenagem às vinte famílias
de imigrantes pioneiros que fundaram a
Colônia Dona Isabel em 1875, hoje a cidade de Bento Gonçalves. Os descendentes
do imigrante tirolês, Luiz Rampanelli (o autor) à direita e Iury Magalhães
Rampanelli à esquerda (filho de Luiz), descendentes brasileiros de 4ª e 5ª
geração, apontam para o nome do imigrante tiroles Giuseppe Rampanelli. Fonte: Acervo
pessoal do autor.
A
pergunta que fica é: Como é que estes imigrantes são austríacos, se o Trentino,
hoje está na Itália?
O
Trentino sempre esteve onde está, muito antes da Itália existir. O Trento
atualmente é a capital de uma Província Autônoma e parte integrante de uma
região autônoma chamada Trentino Alto-Ádige, portanto os imigrantes da família
Rampanelli chegaram ao Brasil como austríacos, tiroleses ou trentinos e não
como italianos, embora em função de sua língua foram tratados aqui como italianos.
A história que será escrita não é a
da imigração dos italianos (polenteiros)
para o Rio Grande do Sul, mas de outra imigração, a dos austríacos
(batateiros), assim chamados em função das preferências culinárias de cada
grupo, sem deixar de reconhecer que para escrever sobre o segundo grupo
obrigatoriamente teremos que incluir os primeiros. A vida dos imigrantes se dá
na Colônia Dona Isabel, na convivência entre batateiros e polenteiros,
imigrantes que utilizavam a mesma língua, mas eram culturalmente distintos
entre si, muitas vezes antagônicos, que foram responsáveis por diversos
conflitos tanto em território europeu, bem como no espaço geográfico da Região
Colonial Italiana no estado do Rio Grande do Sul. Para melhor explicar essa relação
estaremos (re) fazendo alguns percursos destes imigrantes.
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