quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Histórias da Família 5 - As tragédias familiares também produzem seus heróis

 

As tragédias familiares também produzem seus heróis

 

                                                                          Luiz Rampanelli

 

            Toda sociedade tem seus heróis, mas muitas vezes atribuímos heroísmo a falsos ídolos. Cada um tem seu herói preferido: um participante do Big Brother, um político, um cantor, um ator, um atleta olímpico ou um jogador de futebol, entre tantos outros, mas são as tragédias familiares que revelam nossos verdadeiros heróis.  Esses  ídolos  encontrados no seio familiar muitas vezes não são reconhecidos.  Esta história é um exemplo disso:

 

                        Na manhã do dia oito de outubro de 1979, Iracema Busato, com 29 anos, esposa de Mário Rampanelli, acorda cedo, toma o café e se dirige à escola onde era professora, na Linha Tarumanzinho, que na época pertencia ao município de Coronel Freitas em Santa Catarina. Hoje a localidade faz parte do município de Águas Frias. A escola ficava a quinhentos metros da sua residência.  Iracema não acordou Mário, que sempre que podia a acompanhava, pois chovia muito há vários dias. A situação dos rios era de cheia. O rio Chapecó, estava excessivamente alto e perigoso, deixando ilhados os moradores da Linha Tarumanzinho.

 

            Mário era sobrinho-neto de Antônio Rampanelli e de Lúcia Moro, sendo filho do sobrinho Pergentino Rampanelli e neto de João Rampanelli, irmão de Antônio. Era um primo-irmão de Elio Rampanelli, e foi criado pelos avós Antônio e Lúcia como filho. Mário casou-se com Iracema no ano de 1970, e o casal não teve filhos.

 

                        Na escola, onde lecionava, Iracema recebeu a notícia do falecimento do compadre Antoninho Montanha e de um amigo deste, ambos mortos em uma briga. Iracema deixou a escola e voltou para casa para avisar Mário. A família Rampanelli tinha uma grande amizade e relações de compadrio com os falecidos. Para chegar ao local do velório na Linha Cairú, em Coronel Freitas, era necessário fazer a travessia do Rio Chapecó.  A enchente isolara a comunidade de Tarumanzinho, não havendo como acessar a ponte. Por isso, a travessia teria que ser feita de barco. Iracema e Mário se dirigiram de táxi para o Porto Tomé, antigo ponto de travessia por balsa. A travessia do rio Chapecó seria feita nesse local. 

                        Ao chegar ao rio, avistaram Elio Rampanelli, de 49 anos, e seu filho Nelson Rampanelli, de 21 anos. Avisados da morte, também tinham como destino a casa do falecido compadre. Pai e filho haviam  acabado de fazer a travessia do rio de caíque. Chamados por Iracema e Mário eles retornaram para buscá-los.

                        Com os quatro acomodados no caíque, Elio, Nelson, Mário e Iracema começaram a lenta e perigosa travessia do rio Chapecó. Elio e Mário eram  experientes e hábeis nadadores, pois os rios da região sempre estiveram presentes nas suas vidas desde a infância. Apesar da perigosa situação, acreditavam ser suficientemente aptos a realizar a travessia, mesmo que Nelson e Iracema não soubessem nadar.

                        A travessia estava chegando ao meio do rio quando, o improvável aconteceu: a forte corrente  do rio Chapecó virou o caíque e jogou os quatro na água. Iracema ficou sob o caíque emborcado. Mário conseguiu sair rapidamente do rio nadando até a margem. Nelson foi salvo pelo pai, Elio, que aproveitou a corrente para empurrar o filho para a margem do rio.  Iracema estava amarrada a uma corda presa ao caíque. Quando emergia gritava por socorro. Elio e Mário retornaram para tentar salvá-la. Mário sumiu rapidamente nas águas e não mais emergiu. Segundo relato, ele teria problemas com câimbras. Elio conseguiu subir no caíque emborcado. Durante duas horas e quarenta minutos, lutou bravamente para salvar Iracema, percorrendo ambos a distância de 17 quilômetros, arrastados junto com paus, madeira e árvores pela forte corrente do rio Chapecó, até chegarem ao salto grande. Em uma situação normal do rio, esse salto, conhecido como o Salto do Tomé, em Águas Frias, tem dez metros de altura, sendo uma corredeira muito perigosa em dias de rio cheio, Assim, era pouco provável que os dois tivessem êxito ao tentar ultrapassar esse terrível obstáculo.

                        Nesse ponto do rio o caíque sumiu, levado pela força da água. Iracema se soltou da corda que a mantinha presa ao caíque, sendo arrastada pela corrente por mais alguns quilômetros.  Muito machucada, dolorida e exausta pelo esforço, conseguiu se agarrar nas árvores, que apareciam na margem ampliada do rio, sete metros além da margem normal. Lá ficou presa a uma forquilha de um angico até ser resgatada pelos pescadores Joel Siqueira, Luiz Siqueira e Santo Francisquetto, no local conhecido como Linha Suspiro, dois quilômetros abaixo da ponte sobre o Rio Chapecó, que liga os municípios de Nova Erechim a Nova Itaberaba.

                        Elio não conseguiu sair com vida do rio: morreu embaixo da ponte do Rio Chapecó. Seus familiares contam que não morreu afogado, mas sim de um ataque cardíaco devido ao enorme esforço dedicado para salvar Iracema. Seu corpo foi encontrado sete dias depois do ocorrido no rio Espuma.

                        Elio deixou a esposa Josefa e onze filhos. Por ele ser o esteio e o provedor, a partir do seu falecimento sua família ficou desamparada e passou por grandes dificuldades. 

                       Fonte: As imagens são do acervo pessoal de Iracema Busato Bublitz e do acervo pessoal do autor.

 

A fé e o heroísmo salvam vidas

                        Iracema  sobreviveu à tragédia. Devido ao trauma e com o corpo bastante debilitado, além de complicações causadas por uma infecção pulmonar, permaneceu trinta dias internada no hospital em Chapecó.  Achou que morreria no hospital, depois de tanto lutar pela vida na corrente do rio de mesmo nome.

                        Iracema atribui sua vida a um milagre. Agarrou-se na sua fé em Deus e cravou as unhas, com força, na madeira fofa do caíque. Iracema não sabia nadar. Nos vários episódios em que se viu submersa,  nas barrentas águas do rio Chapecó, colocou em prática aquilo que para ela e seu marido Mário era uma  brincadeira: mergulhar e ver quem ficava mais tempo embaixo d’água. Iracema, usando os dedos para fechar as narinas conseguia permanecer mais tempo submersa que Mário.  Apesar do pânico,  em nenhum momento achou que iria morrer. Mas diz que:  “foi o heroísmo de seu marido Mário e de seu cunhado Elio, que deram as suas vidas para salvá-la, que permitiu que essa grande história de coragem e de amor à vida fosse conhecida”.

                        Iracema, anos após o episódio, construiu nova família, casando-se com Valdir Bublitz.  Dessa união nasceram os filhos Cintia Mara e Rodrigo. Tem hoje 76 anos e vive em Pinhalzinho, também em Santa Catarina.

 

                       

Nota do autor: Essa grande história, de dois grandes heróis da família Rampanelli (Elio e Mário) foi relatada pela sobrevivente Iracema Busato Bublitz.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário