As tragédias familiares também
produzem seus heróis
Luiz Rampanelli
Toda sociedade tem seus heróis, mas
muitas vezes atribuímos heroísmo a falsos ídolos. Cada um tem seu herói
preferido: um participante do Big Brother, um político, um cantor, um ator, um
atleta olímpico ou um jogador de futebol, entre tantos outros, mas são as
tragédias familiares que revelam nossos verdadeiros heróis. Esses ídolos encontrados no seio familiar muitas vezes não
são reconhecidos. Esta história é um
exemplo disso:
Na
manhã do dia oito de outubro de 1979, Iracema Busato, com 29 anos, esposa de
Mário Rampanelli, acorda cedo, toma o café e se dirige à escola onde era
professora, na Linha Tarumanzinho, que na época pertencia ao município de Coronel
Freitas em Santa Catarina. Hoje a localidade faz parte do município de Águas
Frias. A escola ficava a quinhentos metros da sua residência. Iracema não acordou Mário, que sempre que
podia a acompanhava, pois chovia muito há vários dias. A situação dos rios era
de cheia. O rio Chapecó, estava excessivamente alto e perigoso, deixando
ilhados os moradores da Linha Tarumanzinho.
Mário era sobrinho-neto de Antônio
Rampanelli e de Lúcia Moro, sendo filho do sobrinho Pergentino Rampanelli e
neto de João Rampanelli, irmão de Antônio. Era um primo-irmão de Elio
Rampanelli, e foi criado pelos avós Antônio e Lúcia como filho. Mário casou-se
com Iracema no ano de 1970, e o casal não teve filhos.
Na
escola, onde lecionava, Iracema recebeu a notícia do falecimento do compadre
Antoninho Montanha e de um amigo deste, ambos mortos em uma briga. Iracema
deixou a escola e voltou para casa para avisar Mário. A família Rampanelli
tinha uma grande amizade e relações de compadrio com os falecidos. Para chegar
ao local do velório na Linha Cairú, em Coronel Freitas, era necessário fazer a
travessia do Rio Chapecó. A enchente
isolara a comunidade de Tarumanzinho, não havendo como acessar a ponte. Por
isso, a travessia teria que ser feita de barco. Iracema e Mário se dirigiram de
táxi para o Porto Tomé, antigo ponto de travessia por balsa. A travessia do rio
Chapecó seria feita nesse local.
Ao
chegar ao rio, avistaram Elio Rampanelli, de 49 anos, e seu filho Nelson
Rampanelli, de 21 anos. Avisados da morte, também tinham como destino a casa do
falecido compadre. Pai e filho haviam
acabado de fazer a travessia do rio de caíque. Chamados por Iracema e
Mário eles retornaram para buscá-los.
Com
os quatro acomodados no caíque, Elio, Nelson, Mário e Iracema começaram a lenta
e perigosa travessia do rio Chapecó. Elio e Mário eram experientes e hábeis nadadores, pois os rios
da região sempre estiveram presentes nas suas vidas desde a infância. Apesar da
perigosa situação, acreditavam ser suficientemente aptos a realizar a
travessia, mesmo que Nelson e Iracema não soubessem nadar.
A
travessia estava chegando ao meio do rio quando, o improvável aconteceu: a
forte corrente do rio Chapecó virou o
caíque e jogou os quatro na água. Iracema ficou sob o caíque emborcado. Mário
conseguiu sair rapidamente do rio nadando até a margem. Nelson foi salvo pelo
pai, Elio, que aproveitou a corrente para empurrar o filho para a margem do
rio. Iracema estava amarrada a uma corda
presa ao caíque. Quando emergia gritava por socorro. Elio e Mário retornaram
para tentar salvá-la. Mário sumiu rapidamente nas águas e não mais emergiu. Segundo
relato, ele teria problemas com câimbras. Elio conseguiu subir no caíque emborcado.
Durante duas horas e quarenta minutos, lutou bravamente para salvar Iracema,
percorrendo ambos a distância de 17 quilômetros, arrastados junto com paus,
madeira e árvores pela forte corrente do rio Chapecó, até chegarem ao salto
grande. Em uma situação normal do rio, esse salto, conhecido como o Salto do
Tomé, em Águas Frias, tem dez metros de altura, sendo uma corredeira muito
perigosa em dias de rio cheio, Assim, era pouco provável que os dois tivessem
êxito ao tentar ultrapassar esse terrível obstáculo.
Nesse
ponto do rio o caíque sumiu, levado pela força da água. Iracema se soltou da
corda que a mantinha presa ao caíque, sendo arrastada pela corrente por mais
alguns quilômetros. Muito machucada,
dolorida e exausta pelo esforço, conseguiu se agarrar nas árvores, que
apareciam na margem ampliada do rio, sete metros além da margem normal. Lá
ficou presa a uma forquilha de um angico até ser resgatada pelos pescadores Joel
Siqueira, Luiz Siqueira e Santo Francisquetto, no local conhecido como Linha
Suspiro, dois quilômetros abaixo da ponte sobre o Rio Chapecó, que liga os
municípios de Nova Erechim a Nova Itaberaba.
Elio
não conseguiu sair com vida do rio: morreu embaixo da ponte do Rio Chapecó. Seus
familiares contam que não morreu afogado, mas sim de um ataque cardíaco devido
ao enorme esforço dedicado para salvar Iracema. Seu corpo foi encontrado sete
dias depois do ocorrido no rio Espuma.
Elio
deixou a esposa Josefa e onze filhos. Por ele ser o esteio e o provedor, a
partir do seu falecimento sua família ficou desamparada e passou por grandes
dificuldades.
Fonte: As imagens são do acervo pessoal de Iracema Busato Bublitz e do acervo pessoal do autor.
A fé e o heroísmo salvam vidas
Iracema sobreviveu à tragédia. Devido ao trauma e com
o corpo bastante debilitado, além de complicações causadas por uma infecção
pulmonar, permaneceu trinta dias internada no hospital em Chapecó. Achou que morreria no hospital, depois de
tanto lutar pela vida na corrente do rio de mesmo nome.
Iracema
atribui sua vida a um milagre. Agarrou-se na sua fé em Deus e cravou as unhas,
com força, na madeira fofa do caíque. Iracema não sabia nadar. Nos vários
episódios em que se viu submersa, nas
barrentas águas do rio Chapecó, colocou em prática aquilo que para ela e seu
marido Mário era uma brincadeira:
mergulhar e ver quem ficava mais tempo embaixo d’água. Iracema, usando os dedos
para fechar as narinas conseguia permanecer mais tempo submersa que Mário. Apesar do pânico, em nenhum momento achou que iria morrer. Mas
diz que: “foi o heroísmo de seu marido
Mário e de seu cunhado Elio, que deram as suas vidas para salvá-la, que
permitiu que essa grande história de coragem e de amor à vida fosse conhecida”.
Iracema,
anos após o episódio, construiu nova família, casando-se com Valdir Bublitz. Dessa união nasceram os filhos Cintia Mara e
Rodrigo. Tem hoje 76 anos e vive em Pinhalzinho, também em Santa Catarina.
Nota do
autor: Essa grande história, de dois grandes heróis da família Rampanelli (Elio
e Mário) foi relatada pela sobrevivente Iracema Busato Bublitz.
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