sábado, 25 de janeiro de 2025

Capítulo III - (Re) fazendo o percurso de Giuseppe Giacomo Rampanelli

 

(Re) fazendo o percurso de Giuseppe Giácomo Rampanelli

                        Este percurso na história inicia-se no final do século XIX, na região do Tirol Italiano na Áustria e se estende até os dias de hoje, no início do século XXI. Será contado ao (re) fazer os percursos de Giuseppe Giácomo Rampanelli e Ângela Nicolodi e de seus descendentes, desde a saída da Áustria, sua chegada ao Brasil e no Rio Grande do Sul, bem como da mobilidade espacial e temporal de seus descendentes, na qual este autor se insere. Estaremos assim, ao mesmo tempo resgatando no processo histórico o percurso dos imigrantes tiroleses e italianos e sua adaptação ao novo país, o Brasil. Ao final destes percursos, estaremos fazendo nossa última e decisiva parada, nos recortes de espaço/tempo, finais e atuais, isto é, num novo percurso, o de retorno às origens.

            Esta história abordada na esfera da vida humana resulta em uma teia única e homogênea, rica de histórias, signos, símbolos e repleta de significados encontrados abundantemente no espaço geográfico da vida dos imigrantes austríacos e italianos e de seus descendentes. Nosso maior compromisso deve ser com a verdade histórica, aquela feita, a partir de fatos, analisados através de documentos, fotos e depoimentos.

Tirol Histórico - A Terra dos Nonos

                        Para uma melhor compreensão dos imigrantes trentinos que vieram para a América e, em especial da família Rampanelli para o Brasil, se faz necessário traçar uma  linha no tempo para sabermos um pouco da sua história e mostrar como seu deu a ocupação geográfica do território do Tirol na Áustria e a influência das diferentes culturas na formação da identidade dos tiroleses austríacos, fortemente marcada pela religiosidade.

Mapa atual do Trentino Alto Adige, antigo Tirol Italiano. Fonte: https://ontheworldmap.com/italy/region/trentino-alto-adige/trentino-alto-adige-physical-map.html

                         Em muitos desses palcos tiroleses, antepassados da família Rampanelli atuaram, em quais palcos e qual foi o tamanho da sua atuação deixo para a imaginação dos leitores, com a certeza de que todos eles merecem os nossos aplausos, independente da sua atuação.

            A região do Tirol já recebe seus primeiros assentamentos no seu período pré-histórico, datados de 7.800 a.C. As primeiras comunidades estáveis acontecem em 4.000 a.C.

            Esta região esteve sob o domínio de diferentes povos e de várias culturas, entre eles os pré-romanos como os venezianos, etruscos e gauleses, depois vieram os romanos, germânicos, lombardos, francos e celtas.

             Por volta do ano 40 a.C. a região  do Trentino era a porta de entrada no Império Romano e era de fundamental importância para este. Sob a órbita de Roma, deu-se início o desenvolvimento de cidades com toda infraestrutura romana, como termas, fórum, etc. A cidade (hoje em dia Trento) foi chamada pelos romanos de Tridentum, a cidade dos três dentes, talvez por haver três colinas próximas à cidade que se assemelham a três dentes. Outra teoria afirma ter sido uma homenagem dos romanos a Netuno, o mitológico Deus dos mares que empunha um cetro com três dentes.

Mapa da cidade murada de Trento (antiga cidade romana de Tridentum) de 1640. https://creativecommons.org/share-your-work/licensing-considerations/compatible-licenses/

            Inicialmente era um acampamento militar romano (Castrum), depois passou a ser chamada pelo Imperador Romano Claudis em 46 d.C., como “Splendidum Municipium”. Tridentum como todas as cidades romanas tinha uma planta quadrangular, limitado de um lado pelo Rio Ádige, dos outros três lados por muros e fossos, com torres quadrangulares e portões de acesso, dos quais o principal foi a Porta Veronensis.  Também foi um importante entroncamento rodoviário onde se destacava a via Claudia Augusta, a principal via militar ao norte. A antiga cidade romana de Tridentum foi descoberta e vive hoje no subsolo do centro histórico da cidade do Trento. Portanto é possível fazer uma visita aos vestígios de uma Roma antiga e conhecer a história de uma antiga cidade sepultada.

            A partir do século III d.C., começaram a ocorrer invasões de povos germânicos no território romano, com a incursão de diversos guerreiros, entre eles Átila, no território trentino em 451 d.C.

            O Cristianismo já estava estruturado no Trentino em meados do século IV, seu terceiro Bispo foi San Vigílio que foi martirizado no ano 400 d.C.

            Em 476 d.C., com a invasão dos bárbaros caiu o Império Romano.

            No período de (493-526) sob o comando de Teodorico a região teve um período de relativa paz.

            A partir de 800 d.C., Carlos Magno, o rei dos francos, é coroado Imperador pelo Papa, e surge assim, o Sacro Império Romano Germânico, do qual a região trentina passa a fazer parte. A região trentina passou a ser um importante território dentro do novo Império, devido a sua posição estratégica entre o norte alemão e o sul italiano e caminho obrigatório para os germânicos chegarem a Roma, fato este que gerou o interesse dos reis em garantir a paz na região. Para governá-la foi instituído o cargo de príncipe-bispo que consistia na escolha de uma pessoa, por um conselho especial da Catedral em Trento, para ser nomeada governante, que recebia o poder temporal do Imperador e o poder religioso do Papa. Dessa forma o governo era leal a ambas as partes.

                        No ano de 900 d.C., Oto I da Alemanha concede aos bispos trentinos vastos territórios na região, inclusive Cembra.

                        Em 1027, Conrado II, voltando de Roma, confere o feudo trentino, assim como Bolzano ao bispo de Trento Udalrico II.  A partir de então o bispo de Trento passou a contar com enormes poderes sobre o território: era feudatário direto das terras, e só respondia ao Imperador.

                         A partir de 1200, os condes do Tirol foram se encarregando do controle militar da região trentina. Sua força era muito grande, e de seu castelo, em Merano, passaram a dominar a região que corresponde hoje ao Trentino – Alto Àdige até o Estado do Tirol, na Áustria. Assim nasce o Tirol em 1248 e leva o mesmo nome do castelo dos condes, enfim o Condado do Tirol, unido a duas dioceses episcopais, a de Trento e de Bressanone.

Castelo do Tirol – Residência dos Condes do Tirol, responsáveis militares pelo Condado do Tirol e protetores dos Episcopados de Trento e Bressanone.  O castelo está localizado na cidade de Merano  próxima de Bolzano, na região de Trentino – Alto Ádige. Fonte: Dreamstime, foto de estoque isenta de royalties.

            Assim até meados dos anos 1800 o Principado de Trento é um pequeno Estado dependente do Imperador. O Bispo tem direito de assento e voto nas questões do Império, têm o comando militar e soberania absoluta sobre os vassalos.

            Portanto do final do século XI (1.100) até o início do século XIX (1802) a região do Trentino foi um Principado Episcopal, administrado exclusivamente pelo clero.  O Bispo de Trento era o senhor (proprietário) e chefe político da região, suserano, das terras, essas eram concedidas aos Condes e Barões e esses as dividiam com os camponeses que as trabalhavam como servos da gleba, dando ao senhor a maior parte da produção.

Tirol/Áustria – Napoleão Bonaparte na terra dos nonos

                        Esta região do Tirol tinha uma configuração geográfica única, onde seus habitantes viviam isolados em vales estreitos, quase inacessíveis, espremidos por altas montanhas cobertas por bosques, situadas ao longo da bacia do rio Ádige.

Região do Trentino na bacia do Rio Ádige (centro da foto) onde viveram nossos antenati e ainda vivem muitos Rampanelli na Itália.          Cembra      San Michelle, Nave San Rocco.          Trento.          Rovereto.      Rio Ádige.

                        


Entre os nomes da família, encontramos, ao retroagir às origens, o de meu tataravô Giacomo Rampanelli, com nascimento próximo ao ano de 1800, casado com Marianna Vezzan.   De  Giacomo até os dias de hoje, 2025, são nove gerações da família Rampanelli. Os “antenati” Giacomo e Marianna são os pais do meu bisavô Giuseppe Giacomo Rampanelli o que emigrou com sua família para o Brasil em 1875. Os tataravós Giacomo e Marianna não emigraram para o Brasil.

                        Giácomo e Mariana nasceram no Trentino (Tirol italiano)  e viram sua família aumentar nas comunidades de San Michelle, Nave San Rocco, Spormaggiore e Sporminore, locais onde nasceram seus filhos. Viveram sua infância no período em que os franceses de Napoleão Bonaparte tinham o domínio dos reinos do norte da península italiana, entre as regiões de seu domínio encontrava-se o Tirol italiano na Áustria. O autor  Benvenutti em sua obra “In Storia Di Cembra” nos relata que:

“Em 20 de março de 1797 os franceses de Napoleão Bonaparte alojam-se em Cembra, fazem da Igreja seu quartel e consomem quase todos os víveres da pequena cidade, causando por incêndio e destruição o aniquilamento de muitas casas e bosques” (BENVENUTTI, 1994, p. 264, apud ZANOTELLI, 2011, p.)

            No final do século XVIII, toda a região trentina, onde se inclui Cembra, passa a sofrer, assim como o resto da Europa, com o poderio militar de Napoleão Bonaparte (1769-1821), que pretendia estender sua influência sobre toda a Europa.

            No outono de 1796 as tropas francesas haviam conquistado o território do norte da Itália. Neste mesmo ano ocorre a primeira invasão das tropas napoleônicas ao Trento, mas também Napoleão enfrentou a sua primeira grande derrota, apesar do seu exército ser considerado invencível.


Cidade murada do Trento em 1850. Antiga cidade romana de Tridentum. Fonte: https://angelinawittmann.blogspot.com/

Durante as primeiras tentativas de ocupação francesa no Tirol, atiradores tiroleses combateram as tropas invasoras nos vales e montanhas da região do principado tridentino.

                        No seu avanço rumo ao Tirol do Sul, através do Vale de Cembra, utilizando o vale do rio Avísio que era considerada uma rota mais fácil e segura do que a do pantanoso Vale D’Ádige, as tropas de Napoleão, comandadas pelo general Vaubois ataca as vilas de San Michele All’Àdige, Lisignago/Cembra e Segonzano com três colunas distintas de soldados.

Panorâmica do Vale de Cembra que foi rota de passagem das tropas francesas de Napoleão Bonaparte rumo a Viena na Áustria, local de embates com os tiroleses, como na batalha pelo Castelo de Segonzano em 1796.  Fonte: https://www.simplybetterwines.com/valle-di-cembra.html.

            Este episódio, conhecido na história como a Batalha de Segonzano, uma feroz disputa pelo Castelo de Segonzano, com as tropas de Napoleão Bonaparte. O castelo era considerado um ponto estratégico militar e foi queimado pelos franceses na sua retirada.

Castelo de Segonzano no Vale de Cembra. Palco de disputa entre tiroleses e tropas napoleônicas. Segonzano foi considerado pelos tiroleses de língua italiana como a Bergisel do Trentino. Fonte: https://www.visittrentino.info/en/guide/must-see/castles/castello-di-segonzano_md_2408.

                        O Vale de Cembra não possuía exércitos regulares, tinham apenas companhias de milícias, sem militares treinados, que eram recrutados entre os habitantes locais, a maioria de camponeses. Nessa e em outras situações de emergências havia um chamado às armas (leva in massa ou levante em massa) para que todos os homens fossem chamados para defender as fronteiras do vale.  Para muitos homens as suas armas eram apenas as ferramentas de trabalho do seu dia a dia.

 



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