A emigração externa
Na década de 1870-1880,
iniciou a emigração além mar, primeiramente para a América do Sul, no Brasil e
na Argentina e na década de 1880-1890 para os Estados Unidos. Nesse período
emigraram aldeias inteiras. Em 1874 começou a emigração trentina, ainda sob o
domínio do Império Austro-Húngaro, rumo
a América.
Segundo
o sociólogo trentino Renzo Grosselli, foram os trentinos que começaram a colonização em massa no Brasil.
Os primeiros imigrantes trentinos se estabeleceram em Santa Cruz no Espírito Santo em 1874 na malfadada expedição
Tabachi. Pietro Tabacchi foi o organizador
da expedição que levou seu nome. Pietro já morava no Espirito Santo
desde 1851 e teria sido um comerciante e
aventureiro originário do Trento que deixou a europa fugindo dos credores, após
a falência dos seus negócios. Usou o pretexto para atrair imigrantes para
trabalhar nas lavouras de café.
O
navio La Sofia partiu do porto de Gênova no dia 03 de janeiro de 1874 e chegou
em Vitória 45 dias depois com 388
lavradores trentinos a bordo. A expedição resultou num grande fracasso, as
promessas aos imigrantes não foram cumpridas e a maioria abandonou o projeto de
Tabacchi e foram em busca de novas terras. Apenas 20 famílias continuaram com
Tabacchi, como este tinha contraído muitas dívidas para financiar seu projeto de
colonização, teve agravado seu estado de saúde e morreu de um ataque cardíaco,
ainda no ano de 1874.
As
razões brasileiras para a imigração
A
imigração austríaca e italiana no Brasil, a partir de 1875, relaciona-se com o
processo de troca da mão de obra escrava e à política de imigração e
colonização implantada pelo governo brasileiro. Foi preciso ocupar terras vagas
que surgiram em decorrência do rápido processo de urbanização, prover a mão de
obra para a lavoura de café. Além disso, povoar e colonizar áreas consideradas
improdutivas, as terras devolutas, principalmente na região sul do país.
No Brasil chamava a
atenção o grande desenvolvimento europeu e norte-americano que era visto como
produto da raça branca indo-europeia. Pensava-se que para alavancar o progresso
brasileiro era necessário receber imigrantes brancos, preferencialmente alemães,
ingleses, suíços, franceses, belgas e do norte da Itália. A mão de obra desses
imigrantes substituiria a mão de obra escrava e foi bastante incentivada no Brasil com o objetivo de
“clarear” a população brasileira, constituída em sua maioria de escravos negros.
Era preciso branquear a raça para se atingir o desenvolvimento.
Os
motivos para a saída da Itália
O processo de desterritorialização de
austríacos e italianos, embora tenham semelhanças na sua origem, apresentam
algumas peculiaridades próprias de cada grupo, motivadas por vários fatores. Em
relação aos imigrantes italianos descreve ZAMBENEDETTI; COFCEWICZ (1988), que
foram obrigados a uma emigração forçada principalmente por questões econômicas,
estabelecendo uma diáspora de italianos pelo mundo:
“Decepção
com a unificação italiana, minifúndios insuficientes para sustentar a família,
péssimas colheitas, aumentos excessivos dos impostos para captar recursos,
atingindo, sobretudo, a classe menos favorecida, como sempre, são motivos entre
outros, que levaram os imigrantes a abandonar tudo e atender aos anseios de
dias melhores, fora da Itália”. (ZAMBENEDETTI, COFCEWICZ, 1988, p.21).
A partir de 1861, este
processo comprometeu as condições de vida das populações rurais italianas: o
trabalho artesanal estava comprometido devido ao aumento da produção
industrial; os pequenos arrendatários do norte da Itália sofriam com os altos
aluguéis dos minifúndios (pequena propriedade rural). Um tempo depois, o fluxo
emigratório de italianos para um Novo Mundo, a América, ganharia forma.
A
região norte, a mais atingida pela crise, foi a que forneceu o maior número de
imigrantes. Um total de oitenta e cinco por cento deles vieram para a América,
provenientes de regiões da Lombardia, Piemonte, Mântua, Bréscia, Vicenza,
Vêneto e de outras províncias italianas, a maioria deles era proveniente do
Vêneto. No Rio Grande do Sul entre 1875 e 1914 chegaram de 80 a 100 mil
imigrantes (MANFROI; apud CORRÊA, 2014).
Os
motivos para a saída da Áustria
Dentro
de um contexto europeu e especialmente Trentino, marcado pela presença do
capitalismo industrial e pela desestruturação do sistema feudal de minifúndios
e senhorios, ocasionou uma grande desvalorização dos produtos agrícolas e a
falta de postos de trabalho nas indústrias e no comércio da região. Somou-se a esse quadro, as lutas dos liberais contra o
estado da cristandade, promovidas pelo processo da unificação italiana,
liderado por Garibaldi, Mazzini e Cavour e com o irredentismo chegando às
portas do Tirol, que motivaram a emigração da família Rampanelli, e os demais seis mil trentinos para o Rio Grande do Sul.
Portanto,
para esses seis mil austríacos provenientes do Tirol Italiano que chegaram às
colônias do Rio Grande do Sul entre os anos de 1875 e 1914, não foi uma causa
única que levou a essa emigração, mas um conjunto delas como:
1º)
A guerra da unificação italiana na segunda metade do século XIX, que causou
muita destruição e miséria.
2º)
A crise da anexação do Vêneto à Itália em 1866.
3º)
A grave crise financeira que
proporcionou a quebra na bolsa de Viena em 1873, que ocasionou a grande
depressão na economia da região com a falência de muitas empresas.
4º)
A falência do Vêneto e da Lombardia pela
nova administração italiana.
5º)
A imposição de um boicote aos produtos
tiroleses, principalmente ao vinho do
vale do Rio Ádige, gerando pobreza na frágil economia do pós-guerra pela
unificação italiana.
6º)
O recrudescimento dos impostos do Império austro-húngaro, sendo que os
investimentos priorizavam escandalosamente a parte norte do Tirol (de fala
alemã).
7º)
As guerras e as disputas constantes e o serviço militar obrigatório. Esse
conjunto de fatores trouxeram simultaneamente a miséria, a fome e as doenças.
8º)
A dificuldade em conseguir dinheiro vivo (em espécie).
Embora
as causas que originaram o fenômeno da emigração em massa na Itália e na Áustria
na segunda metade do século XIX estejam ligadas principalmente a fatores
econômicos, também é importante salientar a influência que a luta entre Estado
e a Igreja Católica tiveram na decisão de emigrar de muitos camponeses,
fortemente marcados pelo conservadorismo e pelo espírito clerical. Os
sacerdotes viam a população camponesa emigrante como público alvo para a
implantação da doutrina ultramontana além mar.
O
serviço militar obrigatório
O que convenceu este casal de
camponeses lavradores a abandonar parentes, amigos e partir para o distante
Brasil que não conheciam, e de onde certamente não retornariam?
Por ocasião da partida para o
Brasil, o casal Giuseppe e Ângela tinham quatro filhos. Luigi, o mais velho com
14 anos, Pietro Giovanni com 9 anos, Giovanni com 6 anos e Giuditha com 1 ano.
Sabendo-se que a expectativa de vida no
Tirol, na época, era menos de 37 anos e Giuseppe tinha 48 anos e Ângela 38 anos
e os filhos todos menores de idade, podemos afirmar que não foi um fato
isolado, mas sim uma sucessão de acontecimentos (descritos no capítulo
anterior) que levaram a família de
Giuseppe a emigrar, bem como milhões de europeus, para a América.
Acredito
que entre todos os motivos, que levaram meu bisavô Giuseppe a emigrar, o mais
forte, foi sem dúvida, o fato de que seu filho Luigi, meu tio-avô, já contava
com 14 anos, idade muito próxima do alistamento militar, e uma lei militar
implantada pelo governo austríaco em 1870, tornou-se um aparato para impedir os
camponeses de emigrarem por causa das guerras. Não bastavam as dificuldades
oferecidas pela estrutura agrária, o serviço militar obrigatório dos 18 aos 30
anos que o governo austríaco impunha aos jovens fazia com que ficassem longos
períodos fora de casa, isso atrapalhava a economia familiar e várias famílias
empobreceram. Muitas vezes, os melhores braços de trabalho morriam nas guerras
e as famílias ficavam desamparadas, por isso o esforço para emigrar antes que
os filhos completassem 18 anos.
Renzo
Grosselli, também aponta como uma das principais causas da emigração do
Trentino para a América tenha sido a questão do militarismo austríaco,
onde os camponeses eram os mais recrutados pelas autoridades
militares.
“A legislação
militar austríaca referia-se a uma época
em que as guerras e as tensões entre os estados não eram uma exceção, e
sim a regra.” (GROSSELLI, 2008, P.62).
O
serviço militar durava três anos, mas nas milícias (Schutzen), durava 12 anos. Os milicianos necessitavam da
permissão do Ministério da Defesa para emigrar.
Essa situação tirava os melhores braços para o serviço na agricultura,
uma concessão que a família de camponeses não podia fazer, sem comprometer a
sua economia, num período em que apenas um trabalho de superação lhes permitia
sobreviver. Grosselli afirma:
“Cada filho militar
acrescentava novas misérias à
família, muitas delas deviam ceder ao exército mais de um filho na mesma
época”. Essa também era uma grande angústia da família trentina cujos filhos
eram ceifados pelas intermináveis guerras do Império Austro-Húngaro ao qual o
Trentino fazia parte.
“Far L’América” - BRASIL – A Terra
Prometida
O
Império brasileiro celebrou em 30 de junho de 1874 com Joaquim Caetano Pinto
Junior um contrato para trazer 100 mil imigrantes europeus ao sul do Brasil,
num período de 10 anos. A propaganda feita por estes agentes e pelas companhias
de imigração, direcionadas principalmente para a região norte da Itália (alta
Itália) e parte da Áustria, apresentavam o Brasil como a Terra prometida aos
camponeses pobres e o Imperador D. Pedro II como um novo Moisés, que assim como
este último que livrou o povo hebreu da escravidão no Egito, livraria o povo
europeu da fome e da miséria. Muitas eram as promessas, quantidade de terras
disponíveis, as facilidades da passagem gratuita, ajuda nos primeiros dez dias,
casa e sementes incentivaram muitos imigrantes a rumar para o Brasil.
A caça ao Imigrante
A guerra de propaganda na Europa foi, muitas vezes, escandalosa, mentirosa e incisiva por parte das empresas de imigração, com redes de informantes, aliciadores e representantes em cada país, em cada pequena região de imigração. Essa forma de atrair e convencer o camponês a deixar sua terra natal, foi o que Renzo Grosselli chamou de a “caça ao imigrante”. Para fazer o negócio da emigração funcionar, era preciso dar esperança e confiança aos camponeses, com base no que lhes era contado e prometido. Os emigrantes estavam convencidos que estavam fazendo uma revolução e não uma emigração.
Propaganda enganosa para atrair imigrantes. Fonte; https://www.bellunesinelmondo.it/
Desafios: Ir ou Morrer - Vencer ou Morrer
Os
camponeses trentinos emigraram porque a sociedade em que viviam estava mudando
de tal forma que não mais permitiam a sobrevivência de formas de vida e de
valores que tinham sido deles durante séculos. Para Renzo Grosselli em sua obra
Vencer ou Morrer, lá ou aqui, era a solução radical, pois a crise, os problemas
que atingiram a região Trentina só apontavam para uma única direção “ir ou
morrer”.
Alguns repetiam:
"Sarà quel che sarà. Peggio del presente non sarà. Tentiamo la sorte. E
poiché abbiamo, presto o tardi, da morire, tanto vale di lasciare la nostra
pelle in America come in Europa... Viva l`America! Morte ai
signori!... Noi andiamo in Brasile. Ora toccherà ai padroni lavorare la terra.“
(Familia Baldissera).
Tradução:
"Será o que será. Pior do que o presente não será. Vamos tentar a sorte. E
como temos, mais cedo ou mais tarde, de morrer, podemos deixar nossa pele na América
como na Europa ... Vida longa à América! Morte aos senhores ! ... Vamos para o
Brasil. Agora vai caber aos patrões trabalhar a terra. ”
Alguns
sociólogos viram esse comportamento da classe camponesa como uma espécie de
“suicídio social” de quem teme a mudança. Mesmo temendo a mudança, não viam
outra solução, era ir para a América ou morrer no Trentino, um engodo já que o
que encontraram foi a mata virgem e muitos problemas.
Na América também um grande desafio os
aguardava, não tinham muito o que fazer, tampouco como voltar para o Trentino,
agora era “vencer ou morrer”.
A América como o “Paese di Cuccagna”
A
América significava, sobretudo, terra em abundância para cultivar e ainda terra de propriedade do
camponês que se teria emancipado daqueles dois fatores de sujeição que durante
séculos o tinham martirizado: o patrão e a pobreza. Roselys Izabel Correa dos
Santos sintetiza essa necessidade de emancipação do camponês afirmando:
“Diante, portanto, de tão bruta
conjuntura, que não lhes poupava o direito a subsistência, qualquer aceno a
estes segmentos da população, que lhes projetasse um mundo pouco menos cruel,
era representação de um paraíso, e, porque não o mítico “Paese di Cuccagna”
(país das maravilhas)”. (SANTOS, 1999).
A família
Rampanelli, como todo o imigrante do norte da península italiana, guardam o
princípio da liberdade, cansados, como todo camponês de ser empregado ou meeiro
dos senhores feudais, dos barões e dos ricos, que mandam e colhem sem
trabalhar, vieram para a América buscar um espaço de liberdade, onde a guerra e
o serviço militar não mais atormentariam a todos, ser dono do seu nariz, ser
proprietário de um pequeno pedaço de chão para poder dizer:
“qua
comando io... qua son mi il paron” (aqui
mando eu...aqui eu sou o patrão).
No final do século XIX milhares de
tiroleses, principalmente trentinos emigraram de suas terras em busca de
melhores condições de vida. A maioria eram camponeses e
escolheram a América como destino, muitos deles, como a família de
Giuseppe Rampanelli escolheram o Brasil.
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