quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XIII - Os motivos que fizeram o casal Giuseppe Rampanelli e Angela Nicolodi emigrar, com seus filhos, para o Brasil.

 

A emigração externa

                        Na década de 1870-1880, iniciou a emigração além mar, primeiramente para a América do Sul, no Brasil e na Argentina e na década de 1880-1890 para os Estados Unidos. Nesse período emigraram aldeias inteiras. Em 1874 começou a emigração trentina, ainda sob o domínio do Império Austro-Húngaro,  rumo a América.

                        Segundo o sociólogo trentino Renzo Grosselli, foram os trentinos que  começaram a colonização em massa no Brasil. Os primeiros imigrantes trentinos se estabeleceram em Santa Cruz no  Espírito Santo em 1874 na malfadada expedição Tabachi. Pietro Tabacchi foi o organizador  da expedição que levou seu nome. Pietro já morava no Espirito Santo desde 1851 e  teria sido um comerciante e aventureiro originário do Trento que deixou a europa fugindo dos credores, após a falência dos seus negócios. Usou o pretexto para atrair imigrantes para trabalhar nas lavouras de café.

                        O navio La Sofia partiu do porto de Gênova no dia 03 de janeiro de 1874 e chegou em Vitória 45 dias depois com  388 lavradores trentinos a bordo. A expedição resultou num grande fracasso, as promessas aos imigrantes não foram cumpridas e a maioria abandonou o projeto de Tabacchi e foram em busca de novas terras. Apenas 20 famílias continuaram com Tabacchi, como este tinha contraído muitas dívidas para financiar seu projeto de colonização, teve agravado seu estado de saúde e morreu de um ataque cardíaco, ainda no ano de 1874.

As razões brasileiras para a imigração

            A imigração austríaca e italiana no Brasil, a partir de 1875, relaciona-se com o processo de troca da mão de obra escrava e à política de imigração e colonização implantada pelo governo brasileiro. Foi preciso ocupar terras vagas que surgiram em decorrência do rápido processo de urbanização, prover a mão de obra para a lavoura de café. Além disso, povoar e colonizar áreas consideradas improdutivas, as terras devolutas, principalmente na região sul do país.

                        No Brasil chamava a atenção o grande desenvolvimento europeu e norte-americano que era visto como produto da raça branca indo-europeia. Pensava-se que para alavancar o progresso brasileiro era necessário receber imigrantes brancos, preferencialmente alemães, ingleses, suíços, franceses, belgas e do norte da Itália. A mão de obra desses imigrantes substituiria a mão de obra escrava e foi bastante incentivada no Brasil com o objetivo de “clarear” a população brasileira, constituída em sua maioria de escravos negros. Era preciso branquear a raça para se atingir o desenvolvimento.

Os motivos para a saída da Itália

            O processo de desterritorialização de austríacos e italianos, embora tenham semelhanças na sua origem, apresentam algumas peculiaridades próprias de cada grupo, motivadas por vários fatores. Em relação aos imigrantes italianos descreve ZAMBENEDETTI; COFCEWICZ (1988), que foram obrigados a uma emigração forçada principalmente por questões econômicas, estabelecendo uma diáspora de italianos pelo mundo:

“Decepção com a unificação italiana, minifúndios insuficientes para sustentar a família, péssimas colheitas, aumentos excessivos dos impostos para captar recursos, atingindo, sobretudo, a classe menos favorecida, como sempre, são motivos entre outros, que levaram os imigrantes a abandonar tudo e atender aos anseios de dias melhores, fora da Itália”. (ZAMBENEDETTI, COFCEWICZ, 1988, p.21).

                                A partir de 1861, este processo comprometeu as condições de vida das populações rurais italianas: o trabalho artesanal estava comprometido devido ao aumento da produção industrial; os pequenos arrendatários do norte da Itália sofriam com os altos aluguéis dos minifúndios (pequena propriedade rural). Um tempo depois, o fluxo emigratório de italianos para um Novo Mundo, a América, ganharia forma.

                        A região norte, a mais atingida pela crise, foi a que forneceu o maior número de imigrantes. Um total de oitenta e cinco por cento deles vieram para a América, provenientes de regiões da Lombardia, Piemonte, Mântua, Bréscia, Vicenza, Vêneto e de outras províncias italianas, a maioria deles era proveniente do Vêneto. No Rio Grande do Sul entre 1875 e 1914 chegaram de 80 a 100 mil imigrantes (MANFROI; apud CORRÊA, 2014).

Os motivos para a saída da Áustria

            Dentro de um contexto europeu e especialmente Trentino, marcado pela presença do capitalismo industrial e pela desestruturação do sistema feudal de minifúndios e senhorios, ocasionou uma grande desvalorização dos produtos agrícolas e a falta de postos de trabalho nas indústrias e no comércio da região. Somou-se  a esse quadro, as lutas dos liberais contra o estado da cristandade, promovidas pelo processo da unificação italiana, liderado por Garibaldi, Mazzini e Cavour e com o irredentismo chegando às portas do Tirol, que motivaram a emigração da família  Rampanelli, e os demais  seis mil trentinos para o Rio Grande do Sul.

                        Portanto, para esses seis mil austríacos provenientes do Tirol Italiano que chegaram às colônias do Rio Grande do Sul entre os anos de 1875 e 1914, não foi uma causa única que levou a essa emigração, mas um conjunto delas como:

1º) A guerra da unificação italiana na segunda metade do século XIX, que causou muita destruição e miséria.

2º) A crise da anexação do Vêneto à Itália em 1866.

3º) A  grave crise financeira que proporcionou a quebra na bolsa de Viena em 1873, que ocasionou a grande depressão na economia da região com a falência de muitas empresas.

4º) A  falência do Vêneto e da Lombardia pela nova administração italiana.

5º) A  imposição de um boicote aos produtos tiroleses, principalmente  ao vinho do vale do Rio Ádige, gerando pobreza na frágil economia do pós-guerra pela unificação italiana.

6º) O recrudescimento dos impostos do Império austro-húngaro, sendo que os investimentos priorizavam escandalosamente a parte norte do Tirol (de fala alemã).

7º) As guerras e as disputas constantes e o serviço militar obrigatório. Esse conjunto de fatores trouxeram simultaneamente a miséria, a fome e as doenças.

           8º) A dificuldade em conseguir dinheiro vivo (em espécie).

 

Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:BanknoteA-H.jpg

                        Embora as causas que originaram o fenômeno da emigração em massa na Itália e na Áustria na segunda metade do século XIX estejam ligadas principalmente a fatores econômicos, também é importante salientar a influência que a luta entre Estado e a Igreja Católica tiveram na decisão de emigrar de muitos camponeses, fortemente marcados pelo conservadorismo e pelo espírito clerical. Os sacerdotes viam a população camponesa emigrante como público alvo para a implantação da doutrina ultramontana além mar.

O serviço militar obrigatório

            O que convenceu este casal de camponeses lavradores a abandonar parentes, amigos e partir para o distante Brasil que não conheciam, e de onde certamente não retornariam?

            Por ocasião da partida para o Brasil, o casal Giuseppe e Ângela tinham quatro filhos. Luigi, o mais velho com 14 anos, Pietro Giovanni com 9 anos, Giovanni com 6 anos e Giuditha com 1 ano. Sabendo-se que  a expectativa de vida no Tirol, na época, era menos de 37 anos e Giuseppe tinha 48 anos e Ângela 38 anos e os filhos todos menores de idade, podemos afirmar que não foi um fato isolado, mas sim uma sucessão de acontecimentos (descritos no capítulo anterior)  que levaram a família de Giuseppe a emigrar, bem como milhões de europeus, para a América.

            Acredito que entre todos os motivos, que levaram meu bisavô Giuseppe a emigrar, o mais forte, foi sem dúvida, o fato de que seu filho Luigi, meu tio-avô, já contava com 14 anos, idade muito próxima do alistamento militar, e uma lei militar implantada pelo governo austríaco em 1870, tornou-se um aparato para impedir os camponeses de emigrarem por causa das guerras. Não bastavam as dificuldades oferecidas pela estrutura agrária, o serviço militar obrigatório dos 18 aos 30 anos que o governo austríaco impunha aos jovens fazia com que ficassem longos períodos fora de casa, isso atrapalhava a economia familiar e várias famílias empobreceram. Muitas vezes, os melhores braços de trabalho morriam nas guerras e as famílias ficavam desamparadas, por isso o esforço para emigrar antes que os filhos completassem 18 anos.

            Renzo Grosselli, também aponta como uma das principais causas da emigração do Trentino para a América tenha sido a questão do militarismo austríaco, onde  os camponeses  eram os mais recrutados pelas autoridades militares.

“A legislação militar austríaca referia-se a uma época  em que as guerras e as tensões entre os estados não eram uma exceção, e sim a regra.” (GROSSELLI, 2008, P.62).

                                O serviço militar durava três anos, mas nas milícias (Schutzen),  durava 12 anos. Os milicianos necessitavam da permissão do Ministério da Defesa para emigrar.  Essa situação tirava os melhores braços para o serviço na agricultura, uma concessão que a família de camponeses não podia fazer, sem comprometer a sua economia, num período em que apenas um trabalho de superação lhes permitia sobreviver. Grosselli afirma:

                                           “Cada filho militar acrescentava novas misérias à família, muitas delas deviam ceder ao exército mais de um filho na mesma época”. Essa também era uma grande angústia da família trentina cujos filhos eram ceifados pelas intermináveis guerras do Império Austro-Húngaro ao qual o Trentino fazia parte.

 

“Far L’América” - BRASIL – A Terra Prometida

 

             Diante dessas crises, não faltaram apelos para convencer os europeus a emigrarem, surgem os agenciadores brasileiros, a serviço do Imperador D. Pedro II, recrutando trabalhadores para substituir mão de obra escrava nas lavouras de café e para ocupar as terras devolutas no sul do Brasil, uma preocupação das autoridades do Império com uma possível invasão por parte dos nossos vizinhos de fronteira, principalmente os argentinos. 

                        O Império brasileiro celebrou em 30 de junho de 1874 com Joaquim Caetano Pinto Junior um contrato para trazer 100 mil imigrantes europeus ao sul do Brasil, num período de 10 anos. A propaganda feita por estes agentes e pelas companhias de imigração, direcionadas principalmente para a região norte da Itália (alta Itália) e parte da Áustria, apresentavam o Brasil como a Terra prometida aos camponeses pobres e o Imperador D. Pedro II como um novo Moisés, que assim como este último que livrou o povo hebreu da escravidão no Egito, livraria o povo europeu da fome e da miséria. Muitas eram as promessas, quantidade de terras disponíveis, as facilidades da passagem gratuita, ajuda nos primeiros dez dias, casa e sementes incentivaram muitos imigrantes a rumar para o Brasil.

A caça ao Imigrante

                        A guerra de propaganda na Europa foi, muitas vezes, escandalosa, mentirosa e incisiva por parte das empresas de imigração, com redes de informantes, aliciadores e representantes em cada país, em cada pequena região de imigração. Essa forma de atrair e convencer o camponês a deixar sua terra natal, foi o que Renzo Grosselli chamou de a “caça ao imigrante”. Para fazer o negócio da emigração funcionar, era preciso dar esperança e confiança  aos camponeses, com base no que lhes era contado e prometido. Os emigrantes estavam convencidos que estavam fazendo uma revolução e não uma emigração.

 Propaganda enganosa para atrair imigrantes.                                   Fonte; https://www.bellunesinelmondo.it/


Desafios: Ir ou Morrer  - Vencer ou Morrer

                        Os camponeses trentinos emigraram porque a sociedade em que viviam estava mudando de tal forma que não mais permitiam a sobrevivência de formas de vida e de valores que tinham sido deles durante séculos. Para Renzo Grosselli em sua obra Vencer ou Morrer, lá ou aqui, era a solução radical, pois a crise, os problemas que atingiram a região Trentina só apontavam para uma única direção “ir ou morrer”. 

                        Alguns repetiam: "Sarà quel che sarà. Peggio del presente non sarà. Tentiamo la sorte. E poiché abbiamo, presto o tardi, da morire, tanto vale di lasciare la nostra pelle in America come in Europa... Viva l`America! Morte ai signori!... Noi andiamo in Brasile. Ora toccherà ai padroni lavorare la terra.“ (Familia Baldissera).

Tradução: "Será o que será. Pior do que o presente não será. Vamos tentar a sorte. E como temos, mais cedo ou mais tarde, de morrer, podemos deixar nossa pele na América como na Europa ... Vida longa à América! Morte aos senhores ! ... Vamos para o Brasil. Agora vai caber aos patrões trabalhar a terra. ”

                        Alguns sociólogos viram esse comportamento da classe camponesa como uma espécie de “suicídio social” de quem teme a mudança. Mesmo temendo a mudança, não viam outra solução, era ir para a América ou morrer no Trentino, um engodo já que o que encontraram foi a mata virgem e muitos problemas.

                         Na América também um grande desafio os aguardava, não tinham muito o que fazer, tampouco como voltar para o Trentino, agora era “vencer ou morrer”.

A América como o “Paese di Cuccagna”

                        A América significava, sobretudo, terra em abundância  para cultivar e ainda terra de propriedade do camponês que se teria emancipado daqueles dois fatores de sujeição que durante séculos o tinham martirizado: o patrão e a pobreza. Roselys Izabel Correa dos Santos sintetiza essa necessidade de emancipação do camponês afirmando:

               “Diante, portanto, de tão bruta conjuntura, que não lhes poupava o direito a subsistência, qualquer aceno a estes segmentos da população, que lhes projetasse um mundo pouco menos cruel, era representação de um paraíso, e, porque não o mítico “Paese di Cuccagna” (país das maravilhas)”. (SANTOS, 1999).

                               A família Rampanelli, como todo o imigrante do norte da península italiana, guardam o princípio da liberdade, cansados, como todo camponês de ser empregado ou meeiro dos senhores feudais, dos barões e dos ricos, que mandam e colhem sem trabalhar, vieram para a América buscar um espaço de liberdade, onde a guerra e o serviço militar não mais atormentariam a todos, ser dono do seu nariz, ser proprietário de um pequeno pedaço de chão para poder dizer:

“qua comando io...  qua son mi il paron” (aqui mando eu...aqui eu sou o patrão).

            No final do século XIX milhares de tiroleses, principalmente trentinos emigraram de suas terras em busca de melhores condições de vida. A maioria eram camponeses  e  escolheram a América como destino, muitos deles, como a família de Giuseppe Rampanelli escolheram o Brasil.






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