domingo, 9 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XV - A grande viagem à América da família de Giuseppe Rampanelli

 

A grande viagem à América - O percurso da Família Rampanelli

                        A comuna de Rovereto era o local de encontro de todos os emigrantes dos vales trentinos. Chegavam de diversas localidades, quase sempre conduzidos por carroças ou carros de bois. Levavam garrafas de vinho, sementes para plantar na nova terra, ferramentas e utensílios de cozinha. Os demais bens e benfeitorias eram vendidos para utilizar os valores da venda para custeio da grande viagem. O que não era vendido, era doado ou mesmo abandonado. A família de Giuseppe Giacomo Rampanelli partiu da comuna de Cembra num trajeto de aproximadamente 50 Km até o local de partida a comuna de Rovereto.

Trajeto europeu  realizado pela família Rampanelli. Saída de Cembra/Tirol/Áustria para o porto de Le-Havre/França. Adaptação produzida pelo autor.

                      Rovereto – Tirol Italiano/Império Austro/Húngaro, 12 novembro de 1875.


                  Rovereto/Tirol/Áustria por volta de 1700, em imagem da época, de autoria de Johann  Stridbeck. Local de partida para o Brasil  da família Rampanelli em  1875. 

Fonte: Begebenheiten im Tyrol 00035 Rovereid.jpg|thumb|180px|Legenda]]

Descrição de VALDUGA, 2010, (p.33-36) em sua obra  o “Sonho de um Imigrante”:

“os sinos da Igreja Matriz de Nossa Senhora Auxiliadora da comuna de Rovereto na Áustria, não repicam com a mesma melodia alegre e festiva de outrora. Tudo é sombrio: as montanhas, as árvores, os pássaros, as pessoas... sopra um vento frio... o céu de Rovereto é de aspecto melancólico... trata-se da despedida aos emigrantes, organizada pelo Padre Giocondo e pelo Bispo da Diocese de Trento, Dom Cândido Muraro. Chegou o grande dia, a multidão se acotovela na Praça da Matriz. O dia da despedida, da tristeza, das lágrimas, dos acenos e da descoberta de um mundo novo, oculto aos olhos, mas possível na imaginação... Do silêncio parece nascer uma música suave que acaricia aquelas almas inundadas pela ansiedade e pela incerteza. É como se cada um desses que vão partir tivesse de deixar um pedaço de seu ser à mãe pátria que os gerou e que, às vezes, parece tê-los abandonado, ou quer expulsá-los de seu convívio. Os que ficam tem a sensação que parte deles também se desprende para fazer a longa viagem e que, do outro lado do oceano, possam devolver vozes e imagens que o tempo buscará emudecer e sepultar”.

Valduga continua a descrever:

“o bispo dá alguns passos à frente e diz: conforme for chamado o pai pelo nome, toda a família deve subir até o altar... são chamadas vinte e cinco famílias... O Bispo da à benção fazendo o sinal da cruz” (VALDUGA, 2010. p. 33-36)

            Entre essas famílias está a de meu bisavô Giuseppe Giacomo Rampanelli.

 

             Imagens atuais da Igreja San Marco de Rovereto/Trentino na Itália, dedicada à Maria Auxiliadora.                                                 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:San_Marco_-_Rovereto_14.jpg

        A igreja foi fundade em 1458, quando Rovereto estava sob domínio veneziano, levando à sua dedicação a São Marcos, padroeiro de Veneza. Um grande afresco acima do presbitério representa a consagração de Rovereto a Maria Auxiliadora, comemorando um evento de 5 de agosto de 1703. O edifício da igreja contém nove altares de mármore do sécculo XVIII e está localizado na Praça San Marco no centro de Rovereto. Wolfgang Amadeus Mozart realizou seu primeiro concerto italiano no órgão da igreja em 26 de dezembro de 1769.

                    A partida era sempre muito dolorosa, pois deixavam a sua terra natal, suas famílias (irmãos, tios, primos, avós) e amigos.  Os encontros se davam nas estações ferroviárias de Trento e Rovereto. Os camponeses, muitas vezes chegavam maltrapilhos nesses pontos de encontro, com bagagens das mais diversas e absurdas. A partida era feita geralmente em grandes grupos.

      Os emigrantes, entre eles meu bisavô Giuseppe, minha bisavô Ângela e seus filhos Luigi, Pietro Giovanni, Giovanni e Giuditta esperam com ansiedade e expectativa a partida do trem de Rovereto para Verona na Itália, destino dos emigrantes trentinos, onde passam a noite em hospedarias na espera da grande viagem. Está parada em Verona é a segunda etapa da viagem, onde possivelmente os trentinos se juntavam com os vênetos. Nesta caminhada, já em Verona, muitos se deparavam com engajadores e trapaceiros que os enganavam e depois eram abandonados a própria sorte, inclusive muitas vezes descobriam que não havia navios para transportá-los.

             No início da manhã do dia 13 de novembro de 1875 partem de trem passando por  Milão  e Turim até cruzar a fronteira com a França, pelo túnel ferroviário do Frejús chegando a cidade de Modane já em território francês, onde paravam novamente. De Mondane partiam para Paris, para quem zarparia de Le Havre.

Túnel Ferroviário do Frejús utilizado pelos imigrantes tiroleses, entre eles a família Rampanelli, para cruzar a fronteira com a França. Entrada do lado italiano. Fonte Wikipedia

            Á tarde a viagem prosseguiu atravessando todo território francês, chegando ao entardecer do dia seguinte a capital, Paris.  Á noite a viagem prossegue, sempre de trem, de Paris  até o porto de Le-Havre também na França, com chegada na manhã do dia seguinte.


Le Havre-França, dia 15 de Novembro de 1875. Partida do Porto de Le Havre com destino ao  Rio de Janeiro/Brasil


Trajeto dos imigrantes do Porto de Le-Havre na França para o Brasil.
Fonte:http://www.origene.com.br/casagrande/port/viagem0.htm


                  Porto de Le Havre-França. Local de partida de imigrantes para o Brasil. Fonte: Google Imagens

            A imigração austríaca e italiana tem seu início oficialmente em 1875, mas acontece através de empresas privadas e de iniciativas próprias de alguns grupos de imigrantes, o que torna difícil encontrar registros, mais precisos sobre a entrada desses imigrantes no Brasil. Os registros consulares italianos só acontecem a partir de 1877.

            Como estes imigrantes pioneiros vieram para o Brasil dentro do Contrato da Agência de imigração de Caetano Pinto, os embarques dos imigrantes para a América por essa agência sempre aconteciam nos primeiros dias e nos dias quinze de cada mês.  É bem provável  que nosso antenato Giuseppe e sua família embarcaram com destino ao Brasil no vapor francês Rivadávia no dia 15 de Novembro de 1875.

            As autoridades austríacas não incentivavam a emigração, devido a má fama que o Brasil gozava na Europa pelo  não cumprimento dos contratos, além das péssimas notícias vindas do Brasil de que o clima era terrível e as epidemias grassavam   e aqui se vivia em estado absoluto de miséria. Isso fez com as autoridades austríacas limitassem a imigração, inclusive obrigando seus emigrantes a abrir mão da cidadania austríaca.

            Portanto, viajavam com passaportes austríacos, mas com o registro de perda de cidadania impresso no verso, o que dificultava os registros. Renunciavam à cidadania austríaca, como queriam as autoridades, para desobrigar o Estado do compromisso e das obrigações com seus cidadãos que emigravam. Portanto, emigrar era um gesto decisivo para não voltar, isto é, um jogo de sorte lançado no abandono da própria pátria.


 

 

 

Passaporte de imigrante austríaco oriundo da Valsugana, área de língua italiana do Tirol. Fonte: Revista Blumenau em cadernos.

           




                        Não foram encontradas fontes históricas, nem relatos diplomáticos, nem na historiografia oficial sobre a imigração, tampouco, dados em relação ao nome do vapor utilizado para a travessia, de qual porto partiam estes pioneiros imigrantes austríacos. Portanto não há registros, ou não foram encontrados, que atestem efetivamente os dados e como isso aconteceu.

            O que nos leva a acreditar que efetivamente teriam embarcado no vapor Rivadávia são os registros do Arquivo Histórico Nacional (SIAN) de entrada de navios no porto do Rio de Janeiro no ano de 1875. Estes registros atestam que no final daquele  ano, aportaram no Rio de Janeiro dois navios transportando imigrantes, em datas perfeitamente compatíveis com a chegada destes imigrantes na Colônia Dona Isabel em 24.12.1875: O vapor  François I saiu do Porto de Le-Havre na França em 30.10.1875 e chegou ao Rio de Janeiro em 01/12/1875 e o vapor Rivadávia partiu do mesmo porto na França em 15/11/1875 e chegou ao Rio de Janeiro em 10.12.1875.

            Os imigrantes que vieram nestes navios, com destino ao Rio Grande do Sul  chegaram em Porto Alegre entre os dias 13 e 15 de dezembro de 1875. Os fatos apontam pela utilização do navio  Rivadávia  para a travessia, pois  as datas de partida da França e de chegada ao Rio de Janeiro é mais condizente com os registros da chegada dos imigrantes à Colônia Dona Isabel em 24/12/1875.

            As datas da cronologia de viagem dos imigrantes não tem por base registros oficiais, demonstram apenas, tempos aproximados dos percursos, encontrados em registros de autores diversos em assuntos de imigração, além de relatos de imigrantes que fizeram a travessia oceânica nesses navios.

            Em relação ao porto de partida dos imigrantes ter sido em Le Havre na França e não do porto de Gênova na Itália, apesar deste último estar mais próximo do local de origem dos imigrantes, e de ter embarcado 85% deles,  buscamos nos escritos de  José Francisco Graciola a explicação para esta situação,  o autor  afirma em sua obra  “As faces da Vida – Os Graciola” de 2006, que o caminho feito pelos trentinos emigrantes nos anos de 1875 e 1876 era do Trento até a França e o porto de partida era Le Havre no norte da França. 

          Emigração vêneta em São Bernardo do  Campo - SP 


     Fonte: https://emigrazioneveneta.blogspot.com/2020_06_23_archive.html




As justificativas para a escolha de embarcar nos portos franceses eram em função da melhor segurança e porque na Itália uma circular do Ministro Lanza em 18/01/1873 exigia muitas formalidades aos imigrantes.   Além disso, quem partia da França (Le Havre ou Marselha), era favorecido, pois a legislação francesa, ao contrário da italiana, previa que a bordo dos navios houvesse a presença de médicos e remédios. Por isso, que nesses anos, grande parte das partidas de imigrantes para o Brasil, aconteceu na França. O percurso entre a Áustria e a França era realizado de trem. Somente a partir do final do ano de 1876 as partidas do porto de Gênova na Itália se tornaram mais frequentes.

             No dia da partida no porto de Le Havre, os emigrantes andavam sempre em grupos formados por pessoas com afinidade de origem, dialeto ou parentesco, enfrentavam juntos o caos instalado, sirenes estridentes dos navios anunciavam as partidas, muita aglomeração de pessoas, hora de apresentar a documentação das famílias para a grande viagem. Muitos estavam tomados pelo pânico e relutavam a embarcar. Eram muitas as dificuldades com as autoridades francesas que não falavam a língua italiana.

 Agora já embarcados e prontos para a grande viagem à América, o vapor Rivadávia deixa o porto de Le Havre (levantou ferros) pelo Canal da Mancha, sangrando as águas em direção ao imenso Atlântico Norte. Agora, diante deles, só céu e mar, mas todos a bordo estão identificados pelo mesmo destino e pelo mesmo ideal. Passados apenas alguns dias estão próximos à Ilha da Madeira, já na costa africana. 

Ticket de terceira classe do imigrante Giuseppe Giovannini de Ravina-Tirol Italiano-Áustria para o México em 1882. 

Fonte: https://emigrazionetrentina.museostorico.it/paese/messico/


A vida no navio Rivadávia


                        No navio, os alojamentos não eram adequados, nem suficientes. As passagens de 3ª classe deixavam a desejar, as acomodações eram em beliches e com colchões no chão. As malas e sacos com seus pertences ficavam depositadas nos espaços disponíveis. À noite ficavam separados por sexo, mulheres e crianças de um lado, homens de outro.

             


Na longa permanência no mar eram frequentes os distúrbios digestivos, a dificuldade de cicatrização de ferimentos, os furúnculos e problemas de pele e a falta de resistência física. Era grande o risco de epidemias, principalmente a varíola, que vitimavam sempre velhos e crianças.

                        Os dias e as noites eram longos, intermináveis, chegavam muitas notícias de óbitos, de pessoas adoecidas, principalmente crianças e idosos. As epidemias de varíola fizeram grande estragos nos navios, nos casos de surtos da doença, não se duvidava em jogar ao mar os contaminados, quando estavam quase no fim da vida, com a intenção de abreviar-lhes o sofrimento e para poupar os familiares e demais passageiros de maiores incômodos e preveni-los da contaminação, eram embrulhados em lençóis e jogados muitas vezes ainda vivos ao mar.

            Pouca atenção se dava à parte de nutrição, a constipação intestinal era constante, e os cardápios não eram adaptados à vida no mar. A água que existia era praticamente só para beber, a comida quase sempre consistia de uma sopa rala com batatas e massa condimentada com toucinho


            Enfrentavam violentas tempestades no mar, o pânico, enjoos e sofrimento os acompanhavam durante toda a viagem. O forte cheiro de vômito diminuía após os primeiros dias de viagem, com a adaptação aos balanços do navio.

            Os imigrantes buscaram se fortalecer na religiosidade para suportar a viagem, eram de famílias extremamente católicas e exercitavam diariamente a bordo do navio a sua fé, com cânticos e orações.  

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