A
grande viagem à América - O percurso da Família Rampanelli
A comuna de Rovereto era
o local de encontro de todos os emigrantes dos vales trentinos. Chegavam de
diversas localidades, quase sempre conduzidos por carroças ou carros de bois.
Levavam garrafas de vinho, sementes para plantar na nova terra, ferramentas e
utensílios de cozinha. Os demais bens e benfeitorias eram vendidos para
utilizar os valores da venda para custeio da grande viagem. O que não era
vendido, era doado ou mesmo abandonado. A família de Giuseppe Giacomo
Rampanelli partiu da comuna de Cembra num trajeto de aproximadamente 50 Km até
o local de partida a comuna de Rovereto.
Rovereto – Tirol Italiano/Império
Austro/Húngaro, 12 novembro de 1875.
Descrição de VALDUGA, 2010, (p.33-36) em sua obra o “Sonho de um Imigrante”:
“os sinos da
Igreja Matriz de Nossa Senhora Auxiliadora da comuna de Rovereto na Áustria,
não repicam com a mesma melodia alegre e festiva de outrora. Tudo é sombrio: as
montanhas, as árvores, os pássaros, as pessoas... sopra um vento frio... o céu
de Rovereto é de aspecto melancólico... trata-se da despedida aos emigrantes,
organizada pelo Padre Giocondo e pelo Bispo da Diocese de Trento, Dom Cândido
Muraro. Chegou o grande dia, a multidão se acotovela na Praça da Matriz. O dia
da despedida, da tristeza, das lágrimas, dos acenos e da descoberta de um mundo
novo, oculto aos olhos, mas possível na imaginação... Do silêncio parece nascer
uma música suave que acaricia aquelas almas inundadas pela ansiedade e pela
incerteza. É como se cada um desses que vão partir tivesse de deixar um pedaço
de seu ser à mãe pátria que os gerou e que, às vezes, parece tê-los abandonado,
ou quer expulsá-los de seu convívio. Os que ficam tem a sensação que parte
deles também se desprende para fazer a longa viagem e que, do outro lado do
oceano, possam devolver vozes e imagens que o tempo buscará emudecer e
sepultar”.
Valduga
continua a descrever:
“o bispo dá
alguns passos à frente e diz: conforme for chamado o pai pelo nome, toda a
família deve subir até o altar... são chamadas vinte e cinco famílias... O
Bispo da à benção fazendo o sinal da cruz” (VALDUGA, 2010. p. 33-36)
Entre
essas famílias está a de meu bisavô Giuseppe Giacomo Rampanelli.
Imagens atuais da Igreja San Marco de Rovereto/Trentino na Itália, dedicada à Maria Auxiliadora. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:San_Marco_-_Rovereto_14.jpg
A igreja foi fundade em 1458, quando Rovereto estava sob domínio veneziano, levando à sua dedicação a São Marcos, padroeiro de Veneza. Um grande afresco acima do presbitério representa a consagração de Rovereto a Maria Auxiliadora, comemorando um evento de 5 de agosto de 1703. O edifício da igreja contém nove altares de mármore do sécculo XVIII e está localizado na Praça San Marco no centro de Rovereto. Wolfgang Amadeus Mozart realizou seu primeiro concerto italiano no órgão da igreja em 26 de dezembro de 1769.
A
partida era sempre muito dolorosa, pois deixavam a sua terra natal, suas
famílias (irmãos, tios, primos, avós) e amigos.
Os encontros se davam nas estações ferroviárias de Trento e Rovereto. Os
camponeses, muitas vezes chegavam maltrapilhos nesses pontos de encontro, com
bagagens das mais diversas e absurdas. A partida era feita geralmente em
grandes grupos.
Os
emigrantes, entre eles meu bisavô Giuseppe, minha bisavô Ângela e seus filhos
Luigi, Pietro Giovanni, Giovanni e Giuditta esperam com ansiedade e expectativa
a partida do trem de Rovereto para Verona na Itália, destino dos emigrantes
trentinos, onde passam a noite em hospedarias na espera da grande viagem. Está
parada em Verona é a segunda etapa da viagem, onde possivelmente os trentinos
se juntavam com os vênetos. Nesta caminhada, já em Verona, muitos se deparavam
com engajadores e trapaceiros que os enganavam e depois eram abandonados a
própria sorte, inclusive muitas vezes descobriam que não havia navios para
transportá-los.
No início da manhã do dia 13 de novembro de
1875 partem de trem passando por
Milão e Turim até cruzar a
fronteira com a França, pelo túnel ferroviário do Frejús chegando a cidade de
Modane já em território francês, onde paravam novamente. De Mondane partiam
para Paris, para quem zarparia de Le Havre.
Á tarde a viagem prosseguiu atravessando todo território francês, chegando ao entardecer do dia seguinte a capital, Paris. Á noite a viagem prossegue, sempre de trem, de Paris até o porto de Le-Havre também na França, com chegada na manhã do dia seguinte.
Le Havre-França, dia 15 de Novembro
de 1875. Partida do Porto de Le Havre com destino ao Rio de Janeiro/Brasil
A
imigração austríaca e italiana tem seu início oficialmente em 1875, mas
acontece através de empresas privadas e de iniciativas próprias de alguns
grupos de imigrantes, o que torna difícil encontrar registros, mais precisos
sobre a entrada desses imigrantes no Brasil. Os registros consulares italianos
só acontecem a partir de 1877.
Como estes imigrantes pioneiros
vieram para o Brasil dentro do Contrato da Agência de imigração de Caetano
Pinto, os embarques dos imigrantes para a América por essa agência sempre
aconteciam nos primeiros dias e nos dias quinze de cada mês. É bem provável que nosso antenato Giuseppe e sua família
embarcaram com destino ao Brasil no vapor francês Rivadávia no dia 15 de
Novembro de 1875.
As
autoridades austríacas não incentivavam a emigração, devido a má fama que o
Brasil gozava na Europa pelo não
cumprimento dos contratos, além das péssimas notícias vindas do Brasil de que o
clima era terrível e as epidemias grassavam
e aqui se vivia em estado absoluto de miséria. Isso fez com as
autoridades austríacas limitassem a imigração, inclusive obrigando seus
emigrantes a abrir mão da cidadania austríaca.
Portanto, viajavam com passaportes austríacos, mas com o registro de perda de cidadania impresso no verso, o que dificultava os registros. Renunciavam à cidadania austríaca, como queriam as autoridades, para desobrigar o Estado do compromisso e das obrigações com seus cidadãos que emigravam. Portanto, emigrar era um gesto decisivo para não voltar, isto é, um jogo de sorte lançado no abandono da própria pátria.
Passaporte
de imigrante austríaco oriundo da Valsugana, área de língua italiana do Tirol.
Fonte: Revista Blumenau em cadernos.
Não
foram encontradas fontes históricas, nem relatos diplomáticos, nem na historiografia
oficial sobre a imigração, tampouco, dados em relação ao nome do vapor utilizado para a travessia, de qual
porto partiam estes pioneiros imigrantes austríacos. Portanto não há
registros, ou não foram encontrados, que atestem efetivamente os dados e como
isso aconteceu.
O
que nos leva a acreditar que efetivamente teriam embarcado no vapor Rivadávia
são os registros do Arquivo Histórico Nacional (SIAN) de entrada de navios no
porto do Rio de Janeiro no ano de 1875. Estes registros atestam que no final
daquele ano, aportaram no Rio de Janeiro
dois navios transportando imigrantes, em datas perfeitamente compatíveis com a
chegada destes imigrantes na Colônia Dona Isabel em 24.12.1875: O vapor François I saiu do Porto de Le-Havre na
França em 30.10.1875 e chegou ao Rio de Janeiro em 01/12/1875 e o vapor
Rivadávia partiu do mesmo porto na França em 15/11/1875 e chegou ao Rio de
Janeiro em 10.12.1875.
Os
imigrantes que vieram nestes navios, com destino ao Rio Grande do Sul chegaram em Porto Alegre entre os dias 13 e
15 de dezembro de 1875. Os fatos apontam pela utilização do navio Rivadávia
para a travessia, pois as datas
de partida da França e de chegada ao Rio de Janeiro é mais condizente com os
registros da chegada dos imigrantes à Colônia Dona Isabel em 24/12/1875.
As
datas da cronologia de viagem dos imigrantes não tem por base registros
oficiais, demonstram apenas, tempos aproximados dos percursos, encontrados em
registros de autores diversos em assuntos de imigração, além de relatos de
imigrantes que fizeram a travessia oceânica nesses navios.
Em
relação ao porto de partida dos imigrantes ter sido em Le Havre na França e não
do porto de Gênova na Itália, apesar deste último estar mais próximo do local
de origem dos imigrantes, e de ter embarcado 85% deles, buscamos nos escritos de José Francisco Graciola a explicação para
esta situação, o autor afirma em sua obra “As faces da Vida – Os Graciola” de 2006, que
o caminho feito pelos trentinos emigrantes nos anos de 1875 e 1876 era do
Trento até a França e o porto de partida era Le Havre no norte da França.
Emigração vêneta em São Bernardo do Campo - SP
Fonte: https://emigrazioneveneta.blogspot.com/2020_06_23_archive.html
As justificativas para a escolha de embarcar nos portos franceses eram em função da melhor segurança e porque na Itália uma circular do Ministro Lanza em 18/01/1873 exigia muitas formalidades aos imigrantes. Além disso, quem partia da França (Le Havre ou Marselha), era favorecido, pois a legislação francesa, ao contrário da italiana, previa que a bordo dos navios houvesse a presença de médicos e remédios. Por isso, que nesses anos, grande parte das partidas de imigrantes para o Brasil, aconteceu na França. O percurso entre a Áustria e a França era realizado de trem. Somente a partir do final do ano de 1876 as partidas do porto de Gênova na Itália se tornaram mais frequentes.
Agora já embarcados e prontos para a grande
viagem à América, o vapor Rivadávia deixa o porto de Le Havre (levantou ferros)
pelo Canal da Mancha, sangrando as águas em direção ao imenso Atlântico Norte.
Agora, diante deles, só céu e mar, mas todos a bordo estão identificados pelo
mesmo destino e pelo mesmo ideal. Passados apenas alguns dias estão próximos à
Ilha da Madeira, já na costa africana.
A
vida no navio Rivadávia
Na longa permanência no mar eram frequentes os distúrbios digestivos, a dificuldade de cicatrização de ferimentos, os furúnculos e problemas de pele e a falta de resistência física. Era grande o risco de epidemias, principalmente a varíola, que vitimavam sempre velhos e crianças.
Os
dias e as noites eram longos, intermináveis, chegavam muitas notícias de
óbitos, de pessoas adoecidas, principalmente crianças e idosos. As epidemias de
varíola fizeram grande estragos nos navios, nos casos de surtos da doença, não
se duvidava em jogar ao mar os contaminados, quando estavam quase no fim da
vida, com a intenção de abreviar-lhes o sofrimento e para poupar os familiares
e demais passageiros de maiores incômodos e preveni-los da contaminação, eram
embrulhados em lençóis e jogados muitas vezes ainda vivos ao mar.
Pouca atenção se dava à parte de nutrição, a constipação intestinal era constante, e os cardápios não eram adaptados à vida no mar. A água que existia era praticamente só para beber, a comida quase sempre consistia de uma sopa rala com batatas e massa condimentada com toucinho
Enfrentavam
violentas tempestades no mar, o pânico, enjoos e sofrimento os acompanhavam
durante toda a viagem. O forte cheiro de vômito diminuía após os primeiros dias
de viagem, com a adaptação aos balanços do navio.
Os imigrantes buscaram se fortalecer
na religiosidade para suportar a viagem, eram de famílias extremamente
católicas e exercitavam diariamente a bordo do navio a sua fé, com cânticos e
orações.
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