São João do Monte Negro, 18 de
dezembro de 1875 – Rumo ao destino final - Colônia Dona Isabel
O
Porto no rio Caí na vila de São João do
Monte Negro, atual cidade de Montenegro no RS, era o ponto de desembarque das famílias de imigrantes que vinham
de Porto Alegre com destino as colônias de Conde d’EU(Garibaldi) e Dona Isabel
(Bento Gonçalves). Ficavam provisoriamente acomodados num grande galpão,
situado numa chácara, onde hoje está instalado o Parque Centenário. Ali
aguardavam a saída para o seu destino final. Os imigrantes com destino a
Colônia do Campo dos Bugres (Caxias do Sul) utilizavam o porto, também no Rio
Caí, mas na vila de São Sebastião do Caí.
Eram
transportados desde São João do Monte Negro em carretas, puxadas por bois, até
a colônia de imigrantes alemães em Maratá, dali se dirigiam ao seu destino
lentamente pelas trilhas (picadas) abertas na mata. Muitas partes do trajeto
também eram realizados
a pé, a cavalo ou no lombo de
mulas, por caminhos impraticáveis entre Picada Gauer, hoje, São José do
Sul e Conde d’Eu, hoje Garibaldi.
Crianças nos peçuelos de couro. Crianças nos cestões de taquara.
Fonte das imagens: Livro da família Luzi
Nos primórdios da imigração, as
crianças eram carregadas nos peçuelos (imagem à esquerda), que eram bolsas,
feitas de couro de animais. Anos depois passaram a usar os cestões de taquara
(imagem à direita) presos por alças de
couro nas cangalhas das mulas. Eram mais confortáveis, pois os peçuelos eram
muito apertados, depois da longa viagem as crianças ficavam com as pernas
duras, amortecidas e com cãibras, por falta de circulação sanguínea nos membros
inferiores.
Segundo
relato de 1883, encontrado junto a fontes diplomáticas italianas o Consul italiano
em Porto Alegre, Enrico Perrod, primeiro Consul italiano a visitar as Colônias
Conde d`Eu e Dona Isabel, classificou o
único caminho para chegar à Colônia Dona Isabel que partia de São João do Monte Negro, que
era o centro de comunicação de diversas colônias, bem como dos campos de
Vacaria, como:
“ uma estrada primitiva, que somente
dava passagem a tropas de gado e a seus corajosos tropeiros, práticos em
atravessar a cerrada floresta. A estrada, através das florestas e mata ainda
virgem é horrenda e tão ruim que na Itália, apenas cabras a percorreriam, com
banhados a cada passo e sem pontes. Não há um palmo sequer de campina no
horizonte à vista, a não ser o que foi desmatado e arroteado pelos
colonos, se não, é apenas uma densa
floresta, que impõe terror.” (PERROD,1883).
Esta
é uma pequena amostra de que a colonização, a vida desses imigrantes foi
dificílima.
A
luta entre o imigrante e a natureza
O ambiente natural no espaço em que vivia o emigrante europeu era de uma natureza já transformada e dominada pelas atividades humanas, não era mais um ambiente selvagem e virgem, o homem já tinha deixado sua marca com a construção de uma segunda natureza, um contraste com o que encontrariam no Brasil.
Os
maiores obstáculos e riscos que os imigrantes encontraram ao chegar ao Brasil
foram a mata virgem, as doenças e a desorganização do governo imperial, não
tinham nem lei, nem rei, só lhes sobrava
a fé.
O primeiro contato com a floresta
virgem
Os
imigrantes pioneiros que fundaram a Colônia Dona Isabel, ao saírem de São João
do Monte Negro rumo ao seu destino final, percorridos apenas os primeiros vinte
quilômetros, chegavam a Gauer-Eck (Picada Gauer), local já habitado por colonos
alemães*, hoje município de São José do Sul no Rio Grande do Sul, onde fizeram
a parada para o pernoite.
Ao acordar pela manhã, tomar o café e seguir viagem, com apenas pouco metros percorridos, os imigrantes, entre eles a família de meu bisavô Giuseppe Rampanelli, se depararam com a floresta virgem, uma primeira natureza intacta e selvagem que os desafiava. O contraste com o seu mundo europeu, já domesticado, deve ter impressionado a todos que nunca haviam colocados os pés numa floresta subtropical.
Floresta em Salvador do Sul no Rio Grande do Sul, local dentro do percurso da família Rampanelli para a Colônia Dona Isabel, atual Bento Gonçalves/RS. Fonte: Acervo pessoal do autor. Um
espetáculo grandioso que se oferecia a vista dos visitantes, prestes a ser
penetrado e percorrido nos próximos oitenta quilômetros. Este sempre foi o terror que acompanhou o imigrante
em toda a viagem, o mito da floresta, o monstro a ser vencido com todos os
perigos que ela representava no imaginário deste contadino europeu, o primeiro
grande obstáculo a ser ultrapassado,
necessário, portanto prevenir-se de todos os tipos de ataques que vinham
da floresta, principalmente os inimigos por terra, que eram a onça parda, um
enorme felídeo que a noite na floresta escura, era imbatível, seus urros e
miados foram sempre o terror das crianças e também dos adultos, os bugres
(índios)* também impunham o seu terror, ataques as caravanas, sequestros de
crianças e mulheres eram noticiados e estavam
na mente dos visitantes, sem falar de nossas venenosas e perigosas serpentes.
As picadas eram péssimas, mato, pedras, tocos e
saliências. Os trilhos eram estreitos,
tortuosos e cheio de degraus formados por pedras e raízes de árvores,
davam espaço apenas para uma mula passar. Ao lado dos trilhos, tinham cipós,
espinhos, galhos, árvores que batiam nas cabeças dos passantes.
O
imigrante italiano Julio Lorenzoni descreve em sua obra Memórias de um
Imigrante tudo o que sofreram durante esta longa e cansativa viagem, esses
primeiros imigrantes:
“Oito longos
dias para chegar ao “calvário”, sempre trilhando a espessa floresta virgem,
dormindo ao relento, sem cobertas, com pouco alimento, muitas crianças que
precisavam ser carregadas ao colo e outros, como pessoas idosas e decrépitas,
que, a muito custo, iam se arrastando... Grande parte daquelas criaturas
adoecia devido às privações e demora em chegar, e esse era o quadro tristíssimo,
mais fácil de imaginar do que descrever.” (LORENZONI, 1975, p.129).
Não
era somente vencer a natureza selvagem, mas também a fragilidade humana, com o
abalo na saúde física e mental dos imigrantes, devido a ruptura e abandono da
pátria mãe e do desgaste da longa travessia oceânica, isso tudo provocava
muitas doenças e grande mortandade. A aclimatação na nova pátria produzia
desanimo, deixavam o imigrante sem energia e força para lutar e vencer a
natureza selvagem.
Os
pioneiros imigrantes austríacos, entre eles meu bisavô Giuseppe e família, com
toda a força de caráter, foram capazes de suportar todos esses sofrimentos e
privações, venceram a estrada e seus temores, chegando oito dias após sua
partida de São João do Monte Negro a seu destino final, a Colônia Dona Isabel.
Aqui, outros desafios os aguardavam.
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