quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capitulo XVIII - O primeiro contato da Família Rampanelli com a floresta virgem.

 

São João do Monte Negro, 18 de dezembro de 1875 – Rumo ao destino final - Colônia Dona Isabel

                        O Porto no rio Caí  na vila de São João do Monte Negro, atual cidade de Montenegro no RS, era o ponto de desembarque das famílias de imigrantes que vinham de Porto Alegre com destino as colônias de Conde d’EU(Garibaldi) e Dona Isabel (Bento Gonçalves). Ficavam provisoriamente acomodados num grande galpão, situado numa chácara, onde hoje está instalado o Parque Centenário. Ali aguardavam a saída para o seu destino final. Os imigrantes com destino a Colônia do Campo dos Bugres (Caxias do Sul) utilizavam o porto, também no Rio Caí, mas na vila de São Sebastião do Caí.

                        Eram transportados desde São João do Monte Negro em carretas, puxadas por bois, até a colônia de imigrantes alemães em Maratá, dali se dirigiam ao seu destino lentamente pelas trilhas (picadas) abertas na mata. Muitas partes do trajeto também eram realizados  a pé,  a cavalo ou no lombo de mulas, por caminhos impraticáveis entre Picada Gauer, hoje, São José do Sul e Conde d’Eu, hoje Garibaldi.







                                  Crianças nos peçuelos de couro.                                                    Crianças nos cestões de taquara.

                                                                Fonte das imagens:  Livro da família Luzi

                        Nos primórdios da imigração, as crianças eram carregadas nos peçuelos (imagem à esquerda), que eram bolsas, feitas de couro de animais. Anos depois passaram a usar os cestões de taquara (imagem à direita)  presos por alças de couro nas cangalhas das mulas. Eram mais confortáveis, pois os peçuelos eram muito apertados, depois da longa viagem as crianças ficavam com as pernas duras, amortecidas e com cãibras, por falta de circulação sanguínea nos membros inferiores.

            Segundo relato de 1883, encontrado junto a fontes diplomáticas italianas o Consul italiano em Porto Alegre, Enrico Perrod, primeiro Consul italiano a visitar as Colônias Conde d`Eu e Dona Isabel, classificou o  único caminho para chegar à Colônia Dona Isabel  que partia de São João do Monte Negro, que era o centro de comunicação de diversas colônias, bem como dos campos de Vacaria, como:

 “ uma estrada primitiva, que somente dava passagem a tropas de gado e a seus corajosos tropeiros, práticos em atravessar a cerrada floresta. A estrada, através das florestas e mata ainda virgem é horrenda e tão ruim que na Itália, apenas cabras a percorreriam, com banhados a cada passo e sem pontes. Não há um palmo sequer de campina no horizonte à vista, a não ser o que foi desmatado e arroteado pelos colonos,  se não, é apenas uma densa floresta, que impõe terror.” (PERROD,1883).

            Esta é uma pequena amostra de que a colonização, a vida desses imigrantes foi dificílima.

A luta entre o imigrante e a natureza

            O ambiente natural no espaço em que vivia o emigrante europeu era de uma natureza já transformada e dominada pelas atividades humanas, não era mais um ambiente selvagem e virgem, o homem já tinha deixado sua marca com a construção de uma segunda natureza, um contraste com o que encontrariam no Brasil.

            Os maiores obstáculos e riscos que os imigrantes encontraram ao chegar ao Brasil foram a mata virgem, as doenças e a desorganização do governo imperial, não tinham  nem lei, nem rei, só lhes sobrava a fé.

O primeiro contato com a floresta virgem

            Os imigrantes pioneiros que fundaram a Colônia Dona Isabel, ao saírem de São João do Monte Negro rumo ao seu destino final, percorridos apenas os primeiros vinte quilômetros, chegavam a Gauer-Eck (Picada Gauer), local já habitado por colonos alemães*, hoje município de São José do Sul no Rio Grande do Sul, onde fizeram a parada para o pernoite.

            Ao acordar pela manhã, tomar o café e seguir viagem, com apenas pouco metros percorridos, os imigrantes, entre eles a família de meu bisavô Giuseppe Rampanelli, se depararam com a floresta virgem, uma primeira natureza intacta e selvagem que os desafiava.  O contraste com o seu mundo europeu, já domesticado, deve ter impressionado a todos que nunca haviam colocados os pés numa floresta subtropical.

Floresta em Salvador do Sul no Rio Grande do Sul, local dentro do percurso da família Rampanelli para a Colônia Dona Isabel, atual Bento Gonçalves/RS. Fonte: Acervo pessoal do autor.

            Um espetáculo grandioso que se oferecia a vista dos visitantes, prestes a ser penetrado e percorrido nos próximos oitenta quilômetros. Este  sempre foi o terror que acompanhou o imigrante em toda a viagem, o mito da floresta, o monstro a ser vencido com todos os perigos que ela representava no imaginário deste contadino europeu, o primeiro grande obstáculo a ser ultrapassado,  necessário, portanto prevenir-se de todos os tipos de ataques que vinham da floresta, principalmente os inimigos por terra, que eram a onça parda, um enorme felídeo que a noite na floresta escura, era imbatível, seus urros e miados foram sempre o terror das crianças e também dos adultos, os bugres (índios)* também impunham o seu terror, ataques as caravanas, sequestros de crianças e mulheres eram noticiados e  estavam na mente dos visitantes, sem falar de nossas venenosas e perigosas serpentes.

            As picadas eram péssimas, mato, pedras, tocos e saliências. Os trilhos eram estreitos,  tortuosos e cheio de degraus formados por pedras e raízes de árvores, davam espaço apenas para uma mula passar. Ao lado dos trilhos, tinham cipós, espinhos, galhos, árvores que batiam nas cabeças dos passantes.

            O imigrante italiano Julio Lorenzoni descreve em sua obra Memórias de um Imigrante tudo o que sofreram durante esta longa e cansativa viagem, esses primeiros imigrantes:

“Oito longos dias para chegar ao “calvário”, sempre trilhando a espessa floresta virgem, dormindo ao relento, sem cobertas, com pouco alimento, muitas crianças que precisavam ser carregadas ao colo e outros, como pessoas idosas e decrépitas, que, a muito custo, iam se arrastando... Grande parte daquelas criaturas adoecia devido às privações e demora em chegar, e esse era o quadro tristíssimo, mais fácil de imaginar do que descrever.” (LORENZONI, 1975, p.129).

                                               Não era somente vencer a natureza selvagem, mas também a fragilidade humana, com o abalo na saúde física e mental dos imigrantes, devido a ruptura e abandono da pátria mãe e do desgaste da longa travessia oceânica, isso tudo provocava muitas doenças e grande mortandade. A aclimatação na nova pátria produzia desanimo, deixavam o imigrante sem energia e força para lutar e vencer a natureza selvagem.

                        Os pioneiros imigrantes austríacos, entre eles meu bisavô Giuseppe e família, com toda a força de caráter, foram capazes de suportar todos esses sofrimentos e privações, venceram a estrada e seus temores, chegando oito dias após sua partida de São João do Monte Negro a seu destino final, a Colônia Dona Isabel. Aqui, outros desafios os aguardavam.


 


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