segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XX - Os primeiros tempos em Isabela - O medo de morrer era pior do que a morte.

 

A fome e a revolta dos colonos

            Foi nestes primeiros meses, pela falta de alimentos, que  uma numerosa comitiva de imigrantes deslocou-se a pé até São João de Monte Negro e de lá de vapor até Porto Alegre para solicitar providências ao Presidente da Província do RS. Eram liderados pela imigrante Joana Faes, que conseguiu convencer a autoridade a atendê-los.  Pouco tempo depois, o capitão João Jacinto era substituído por Ernesto Cartier que permaneceu em Isabela até fins de 1884. Suas primeiras providências na sua chegada em 1877 foi a de mandar construir um grande armazém fornecendo todos os artigos necessários. Distribuiu as primeiras famílias de colonos nos lotes, ao longo da Estrada Geral.

O medo de morrer era pior do que a morte

                        Os imigrantes que vierem ao Brasil no quarto final do século XIX, já estavam acostumados às negligências das autoridades com a assistência à saúde em sua pátria de origem. Nos navios testemunharam muitas mortes por falta de atendimento médico ou de remédios. O problema também os acompanhou na nova pátria por vários anos.

                        Os imigrantes tiroleses, entre eles a família Rampanelli ao chegarem a Colônia Dona Isabel encontraram apenas uma floresta virgem. Não existiam estradas, pontes, casas, igrejas, sacerdotes, casas de comércio, escolas, professores, médicos e enfermeiros. Os médicos foram os últimos a chegar, uns 20 ou 30 anos depois. O nono Giuseppe faleceu no ano de 1899, isto é, 24 anos depois da chegada ao Brasil, na sua certidão de óbito consta como causa mortis: “falecido em sua residência, sem assistência médica”.

                         Muitos anos depois, na década de 1940, o filho de Giuseppe e Ângela, Pietro Giovanni Rampanelli, faleceu em cima de uma carroça, morte esta causada pelo rompimento do apêndice, quando estava sendo transportado para o Hospital de Erechim-RS, único hospital da região que ficava há mais de 100 km da sua residência.

Os barracões solução ou problema?

                        Os barracões foram construídos para abrigar os colonos imigrantes temporariamente até receberem seus lotes de terra. Os primeiros eram construções simples, mal feitos, consistiam de uma casa comprida, com parede de adobe (tijolos de terra crua,  água e palha) coberta com folhas de coqueiro e de taquaras, o piso era de terra, com ausência quase total de infraestrutura, serviam apenas para abrigar os colonos das intempéries da natureza, como calor, frio, chuva, vento e às vezes, também neve.

                        Nem sempre havia espaço suficiente para acomodar a todos que chegavam a pé diariamente, tudo realizado de forma precária, muitas vezes as pessoas dormiam juntas e amontoadas. As condições de higiene eram as piores possíveis, o ambiente nos barracões era marcado frequentemente por miséria, doenças e mortes. As epidemias eram quase impossíveis de serem controladas, principalmente o tifo e a varíola, pela falta de médicos e medicamentos, faziam novas vítimas diariamente.

Os barracões eram os locais onde os imigrantes ficavam alojados, desde a sua chegada nas Colônias, até a posse definitiva nos lotes. Fonte: UCS

                        Essa primeira leva de imigrantes tiroleses, em torno de 40 famílias, aqui existem algumas divergências entre autores, que afirmam que podem ter sido 20, 25, 40 e até 62, as famílias pioneiras. Essas famílias como já vimos anteriormente não tinham nem um barracão para recebê-los, eles foram os construtores do primeiro barracão da Colônia Dona Isabel. Mas mesmo assim, a existência de um, não era sinal de que os problemas de doenças estavam resolvidos, pelo contrário, a falta de higiene e aglomeração de muitas famílias num espaço restrito foi o foco de várias epidemias, como a que aconteceu, no ano de 1878, no superlotado barracão em Val de Buia na quarta Colônia de imigração de Silveira Martins que vitimou em poucos dias mais de 400 pessoas. 

                        Foram vítimas da peste bubônica, uma doença causada pela bactéria Yersinia pestis, a mesma causadora da peste negra, que pode se disseminar pelo contato com pulgas infectadas. Nos primeiros sete dias do contágio começam a se manifestar os sintomas que são semelhantes aos da gripe, incluindo febre, calafrios, dores de cabeça, fadiga, vômitos e dores musculares. Os sintomas incluem também inchaço dos gânglios linfáticos que podem ficar grandes como ovos de galinha, na virilha, na axila ou no pescoço. A peste bubônica requer tratamento hospitalar urgente com antibióticos fortes. Infelizmente para esses imigrantes não havia nem um, nem outro. Quem nos deixou registrada essa situação foi o imigrante Júlio Lorenzoni que foi testemunha ocular desta tragédia:

“chegaram no barracão em torno de mil imigrantes que tinham viajado  no vapor Righi, que sofrera um incêndio, cinco dias antes da chegada ao Rio de Janeiro, e lá havia aportado com aspecto desesperador. Eram quase todos de Treviso, de lugares como Oderzo, Motta di Livenza e vilas vizinhas. Coitados! Quase todos doentes, principalmente as crianças. Passados poucos dias, isto é, em meados de junho, a maioria dos doentes foram piorando e muitos vieram a falecer [...] Era deveras doloroso ver essas pobres famílias perder desse modo os seus caros, sem ter nenhum recurso médico, com falta absoluta de remédios, de um caldo, de uma xícara de leite, e até de madeira para construir um caixão onde colocar os cadáveres [...] Por incrível que pareça, entre adultos e crianças, foram cerca de quatrocentos os que tiveram tão mísero fim. A família Bortoluzzi, composta de trinta e quatro pessoas, teve a infelicidade de perder em poucos dias, dezesseis de seus membros”.(LORENZONI, 1975, p.53).

                        Existia um provérbio que ainda permanece nas lembranças dos descendentes de imigrantes que dizia: ‘la paura de morire ê peggio della morte” (o medo de morrer é pior do que a morte).

A medicina quando não havia médico

                        Os imigrantes italianos estabelecidos na região serrana no final do século XIX, contavam com duas estradas para escoar a sua produção até os portos do rio Caí. Uma delas era a Estrada Visconde de Rio Branco, que ligava Caxias do Sul ao porto de São Sebastião do Cai. A outra era a Estrada Buarque de Macedo, ligando Bento Gonçalves ao porto de Montenegro.

                        A assistência médica, mais próxima da Colônia Dona Isabel ficava a 90 km de distância em São João de Monte Negro, num trajeto realizado por trilhas, feitas por tropeiros e imigrantes, boa parte dela só era possível percorrê-la em cima do lombo de mulas, num trajeto que levava entre seis a oito dias. A primeira estrada que ligou a Colônia Dona Isabel a São João de Monte Negro e que se chamou estrada Buarque de Macedo,  começou a ficar carroçável a partir de 1881 e teve a sua inauguração em 1888, era usada no tráfego de mulas de carga e carroças.

Estrada Buarque de Macedo ligando as Colônias Conde D’Eu e Dona Isabel a São João de Monte Negro. Acervo: Romélio Oliveira.

            A solução encontrada pelos imigrantes era procurar ajuda com os curandeiros, e existiam muitos entre eles, que em contato com os indígenas aprenderam a preparar remédios caseiros. Para resolver os casos de traumatismos também eram procurados, os “quista ossi” (arrumadores de ossos). Os partos eram realizados por parteiras. Outros doentes acreditavam na cura pela fé, iam procurar os sacerdotes implorando bênçãos de saúde. As benzedeiras também eram muito procuradas.  Quando conseguiam um médico e a pessoa mesmo assim falecia, diziam: “ sbáglio del Dotor, volontá de Dio” (erro do médico, vontade de Deus), quando caiam no golpe dos falsos médicos, afirmavam: “sbáglio del Dotor el cemitero paga” (nesses casos, o  erro médico se paga com a morte, com o cemitério).

Sorte che se gá bio na abondante safra de pinhão”.

 

                        Esses primeiros imigrantes foram literalmente jogados no mato, não havia casa, nem terra pronta para plantar, diante deles só uma floresta virgem. Como já dissemos anteriormente esses colonos imigrantes que penetraram essas florestas virgens, no final do ano de 1875, foram os tiroleses austríacos, os que mais sofreram nos primeiros meses, pela falta de meios para a sua sobrevivência.

                        Por várias semanas, se obrigaram a se alimentar exclusivamente de pinhões, que lhes forneciam os abundantes pinheiros, as araucárias, árvores nativas da região, menos mal, que naquele ano a colheita foi grande, senão muitos teriam morrido de inanição. Os imigrantes comparavam os pinhões com as castanhas de suas terras de origem.

                        Para esses imigrantes, que nasceram e estavam acostumados a  enfrentar um destino impiedoso, encarando a dura realidade das montanhas alpinas, de uma natureza castigada pelas enchentes e nevadas intermináveis, além de suportar as constantes invasões estrangeiras, o luto provocado pelas guerras intermináveis, pela  fome  e pela miséria, este era apenas mais um desafio.

 


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