segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XXI - 1ª Parte - A religiosidade na Colônia Dona Isabel - A fé sobe novas montanhas

 

A primeira Capela em Dona Isabel

                        A primeira capela na Colônia Dona Isabel foi construída pelo imigrante Giuseppe Giovaninni. Era uma casinhola de tábuas rústicas, concluída em 1876, no mesmo lugar da Igreja atual.


A primeira Igrejinha da Colônia Dona Isabel, construída por Giuseppe Giovaninni em 1876. A família Giovaninni foi companheira de viagem ao Brasil da família Rampanelli.

Nota do autor:  Cada  imagem  resgatada do passado e introduzida nesta obra, me faz voltar no tempo, me remete aos lugares de vivência e convivência de nossos antepassados, a emoção toma conta de mim, pois sinto ali as suas presenças. No dia 04 de setembro de 2020, às 14 horas e 53 minutos, em plena pandemia do Covid-19, ao colocar nos escritos do livro a imagem da primeira capela de Bento Gonçalves um calafrio percorreu-me a espinha, uma vibração muito forte tomou conta de mim, não deu para conter as lágrimas, consegui senti-los, quase materializados, ali ajoelhados rezando.

A primeira missa em Dona Isabel

                       


            

        A primeira missa foi rezada em 30 de setembro de 1876, junto a Cruzinha na Colônia Dona Isabel, pelo Padre Bartolomeo Tiecher,  que veio de Santa Maria do Soledade (atual São Vendelino) onde era pároco. Padre Tiecher  foi  o primeiro padre trentino a pisar na Colônia Dona Isabel.

             

Fonte: https://tiroleses.com.br/2021/08/05/o-primeiro-imigrante-de-garibaldi-rs/

 

                        Foi um dia de festa, de muitas comunhões e batizados, pois os colonos imigrantes, depois de tanto tempo, puderam assistir ao santo sacrifício da missa, reavivar suas crenças religiosas, jamais apagadas em seus corações.

                                   O imigrante (LORENZONI, p.139) nos relata um acontecimento inusitado nesse dia: “os colonos não pediram autorização ao Diretor da Colônia, senhor  Ernesto Cartier, para o Padre Tiecher realizar a santa missa. Aquela autoridade enviou os guardas Rodrigues e Borba, para impedir as funções religiosas. Isso foi o bastante para os presentes ficarem com os ânimos exaltados, que investiram contra os dois malfadados emissários, enchendo-os de pauladas. Os dois fugiram, debaixo de uma chuva de pedras de uma centena de pessoas e foram relatar o fato ao senhor Cartier.

                        O devido inquérito foi aberto com a chegada de um Delegado Judiciário de Porto Alegre. Os acusados, entre eles o imigrante Antônio Dalla Chiesa, alegaram legitima defesa, foram felizes na sua defesa, porque o Delegado voltou para Porto Alegre e nunca mais se ouviu notícias dele ou de qualquer condenação”.

 

A chegada dos primeiros padres

 

                        Em 1877 a população da Colônia Dona Isabel, já era de 1.929 pessoas, sendo 1.302 italianos, 505 tiroleses, alguns poucos brasileiros e franceses.

                        Nesse mesmo ano de 1877, chega o primeiro padre à Colônia Dona Isabel, Dom Domenico Munari, que como Capelão das colônias italianas construiu a segunda igrejinha, agora de pedras e tijolos.

                        O padre Domenico Munari  faleceu  no mesmo ano (1877) que chegou a Colônia Dona Isabel, devido a uma queda do cavalo na frente do  lote número 82 da Linha Palmeiro.

 

A  2ª Igrejinha, no mesmo lugar onde estava a 1ª capelinha. Colônia Dona Isabel 1883. Ao lado o Campanário de madeira onde foram colocados os sinos importados de Bassano na Itália. Fonte: Memórias de Bento Gonçalves.

                        Em 09 de janeiro de 1878 chegava à Colônia Dona Isabel o Padre João Menegotto, oriundo da Província de Pádua na Itália. Foi nomeado pároco e dirigiu a paróquia até o ano de 1902, ano em que, depois de uma rápida doença, veio a falecer.

                        O Padre Menegotto foi de fundamental importância para os colonos imigrantes e por diversos momentos esteve presente nas questões religiosas da família Rampanelli, celebrando as cerimônias de casamentos, batizou as crianças, ministrou catecismo e conduziu os pequenos à primeira eucaristia, deu esperança aos enfermos, confortou famílias e enterrou seus mortos, muitas vezes funcionou também como conselheiro para assuntos familiares.

                        No dia 13 de junho de 1878 foi realizada a primeira festa em honra a Santo Antônio.

                        No dia 06 de agosto de 1884 o Bispo da Província do Rio Grande do Sul, Dom Sebastião Dias Laranjeiras criou a paróquia com sede na Igreja Matriz de Santo Antônio e o Padre João Menegotto tornou-se o primeiro pároco.

                        O Padre Menegotto foi considerado o “criador de capelas”, apesar de que muitas já haviam sido construídas pelos colonos imigrantes, quando da sua chegada a Dona Isabel no ano de 1878.

                        O imigrante Júlio Lorenzoni faz uma análise da atuação comunitária do Pe. Menegotto nos 24 anos (1878-1902) em que atuou como vigário da Paróquia Santo Antônio, sempre dispensando a maior atenção ao seu rebanho,

            “ foi sempre uma pessoa que soube cativar a simpatia do povo, bem como das autoridades locais. [...] Era afável com todos, caritativo, gostava da companhia dos amigos e, no desempenho de suas funções sacerdotais, foi sempre correto e exemplar. Grande apreciador da agricultura, mantinha a seu serviço cinco a seis homens, e os terrenos que possuía nas vizinhanças da Vila eram cuidados como se fossem jardins.”

O silêncio dos sinos

           O sino pode ser considerado um símbolo para os colonos imigrantes, sua grandeza e sua linguagem simbólica representa e expressa os valores culturais, sociais e espirituais dos imigrantes. Sempre foi no além-mar presença obrigatória no dia a dia do camponês. A solidão e o abandono na imensidão da floresta virgem na nova pátria, foram acentuados pela falta de padres, de igrejas e pelo silêncio dos sinos.

            O silêncio dos sinos nos primórdios da imigração representava a desilusão, a frustração, a decadência e a morte  que os acompanhou desde a saída da sua pátria até sua instalação no novo mundo.

Isabel, Antonio, Maria e José – Os sinos da Igreja de Santo Antônio

                        Nos anos de (1884-1885), apesar de haver tudo o que fosse necessário para a sobrevivência familiar, sentia-se a escassez de moeda em circulação, pois, a falta de boas estradas, não permitiam ainda, que os produtos coloniais chegassem ao grande centro consumidor, que era Porto Alegre.

                        O principal centro de escoamento da produção agrícola da Colônia Dona Isabel era pelo porto de São João de Monte Negro, que  encontrava-se a 90 km de distância. As despesas com o transporte tornavam inviáveis à circulação de produtos para a capital da Província. A produção colonial, que consistia principalmente de trigo, milho, vinho, queijo, carne de porco, manteiga, salame e banha, tinha que ser vendida localmente a preços irrisórios.

                        Apesar da situação econômica não ser favorável o Pe. João Menegotto começou uma campanha para a compra de três sinos para a Igreja de Santo Antônio, o tão sonhado projeto, esperado por todos.

                        Pére Raymond, capuchinho francês que trabalhou junto aos imigrantes, sintetiza o significado do sino no espaço de cada comunidade de imigrantes italianos/tiroleses em terras da Província do Rio Grande do Sul. Escreveu em suas memórias que:

            “o  pároco lançou, então, o projeto sonhado: os sinos! O povo estremeceu. As ofertas fluíram: trigo, milho, vinho, porcos, cavalos velhos, de tudo que constituía a riqueza nacional. As mulheres ofereciam dúzias de ovos. As moças fabricavam tranças de palhas em grande quantidade” (RAYMOND, apud SANTIN).

            O vigário tornou-se o maior propagandista, lembrando sempre aos paroquianos, durante as missas, da necessidade das doações. O povo da colônia  acolheu a bela ideia e as doações apareceram de todos os lugares, e, num período de um ano e pouco já tinham arrecadado a importância de sete contos de réis, equivalentes a mais de vinte mil liras italianas (LORENZONI, 1975, p.156). Assim foi possível fazer a encomenda dos sinos à fábrica  de Pedro Cobalchini na comuna de Bassano, província  de Vicenza no Vêneto/Itália.

                        Dos sinos, o maior devia pesar cerca de mil quilos, e o menor cento e cinquenta quilos, este sino menor servia para chamar os fiéis à missa. Nos primeiros dias do ano de 1886, os sinos chegavam a Porto Alegre. Foi a maior dificuldade organizar o transporte dos sinos para a Colônia Dona Isabel, pois o estado em que se achava a estrada Buarque de Macedo era difícil de descrever. Mas graças ao empenho dos senhores Domingos Loss e dos carreteiros André Tedesco e Pedro Basso, felizmente as dificuldades foram superadas, os tão sonhados sinos chegaram em perfeito estado ao seu destino.

                        O capuchinho Pére Raymundo continuou a descrever:  “o desembarque foi quase solene. O dia da chegada dos sinos na paróquia, todo mundo fez feriado. As estradas estavam cheias de cavaleiros vindos de todas as partes para ver os “campaniles” (sinos). Estavam lá, novos, brilhantes, inspirando emoção e respeito”.

                        Para adiantar o serviço, o carpinteiro Jacob Magnabosco, colono que residia nos confins da Linha Jansen, com a ajuda de outros carpinteiros, já haviam iniciado a construção de uma modesta torre de madeira para colocar os sinos, um arrojado campanário com uma altura de uns vinte metros.

                        No dia 23 de maio de 1886 com a torre pronta, os sinos colocados em seus lugares, foi  realizada a grande festa de  inauguração e do batismo dos sinos, com direito a vinda de vários padres das comunidades próximas, com as bênçãos dos sagrados bronzes, arcos triunfais, a vila toda embandeirada, banda de música e uma multidão enorme, que havia chegado de todas as linhas do município.

                        Os três sinos maiores foram batizados: o maior com o nome de Isabel (homenagem a vila); o segundo: Antonio (homenagem ao santo padroeiro) e o terceiro:  Maria (homenagem a mãe de Jesus). Os nomes foram escolhidos desde o momento da fundição, por ordem do Pe. João Meneghotto que os havia encomendado. Um sino pequeno já se encontrava no campanário antigo, recebeu o nome de José (homenagem ao pai de Jesus).

Suona campana, suona vicina, suona lontana

                        Quando os sagrados sinos ecoam pela primeira vez no silêncio da floresta, o povo em êxtase não consegue conter-se, choram de nostálgicas alegrias, suas lembranças se voltam para a pequena aldeia natal nas terras longínquas. Os sinos ecoam fortes no coração dos imigrantes, suas badaladas tocam melodias de novas esperanças, de novos sonhos, de recuperação, de novas lutas e de novas vitórias.

               D. José Barea (1925, p.59), descendente ilustre de imigrantes pioneiros, testemunhou pessoalmente esses momentos históricos e inesquecíveis e registrou para a posteridade, com segurança e profunda sensibilidade, as mesmas impressões de Pére Raymond, dizendo:

“ouvir o sino ecoar lá no fundo de suas colônias era motivo de muita alegria, porque significava viver e reviver, reacender esperanças e sentir-se em comunhão com todos, mas acima de tudo significava a quebra do silêncio e da solidão tão assustadoras e massacrantes”. [...] poetas populares anônimos registraram esses momentos com versos: “suona campana, suona vicina, suona lontana. Tu sei lá música del poveretto, che nel sentirti piange d’affetto”.Tradução: (toca o sino, toca perto, toca longe. Tu és a música do pobre homem, que chora de afeto ao te ouvir tocar). (BAREA, 1925, p.59, apud SANTIN)

Moradores da Linha Eulália, local onde morou Giuseppe Rampanelli e sua família, dirigindo-se à missa, na sede do município de Bento Gonçalves. Créditos: Foto Luz. Acervo: Eliana Casagrande Lorenzini.

 

 

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