A
população da Colônia Dona Isabel em 1876 já era de 800 pessoas, entre eles,
tiroleses, italianos, alguns poucos brasileiros, franceses e alemães.
Os
tiroleses, assim como os demais italianos, eram muito religiosos, apegados a
valores morais e conservadores, baseados em princípios religiosos cristãos,
claros e rígidos, altamente influenciados pela história da região tirolesa/trentina,
que esteve sob o domínio clerical dos Príncipes-Bispos que governaram a região
por oitocentos anos. Por isso, a influência cultural da religião católica foi
mais intensa naquela região.
Os
tiroleses trentinos que emigraram para o Brasil a partir de 1875, vieram
católicos, sabiam de cor os mandamentos da lei de Deus e os ensinamentos da
Igreja, edificando templos e resignando-se, nos problemas e dificuldades à
vontade de Deus, sempre fizeram da religião uma razão da sua própria
existência.
Sem
padres, sem Igrejas, mas com muita fé
Na
floresta virgem, não havia igreja, nem padre. O imigrante teve que reconstruir
um novo mundo religioso, bem como se adaptar e criar novos valores e modos de
viver. Mas a devoção continuava a mesma do velho mundo. Em casa à noite
rezava-se o terço (la corona), mas o dia de domingo era um problema, pois ele
era completamente diferente daqueles domingos passados nas montanhas alpinas.
Por
falta de padres e de Igrejas nos primeiros tempos no Brasil, substituíram a
missa dominical pela reza do terço, rezados nas capelinhas ou capitéis e também
nas casas de famílias.
Tudo
era só saudade: de vestir os trajes de domingo; dos encontros e das conversas
com vizinhos e amigos; da missa; dos tragos no boteco; das paqueras e dos
namoros. Construir uma capela nos travessões era uma necessidade.
A
origem das capelas
As
capelas criadas pelos pioneiros imigrantes oriundos da Itália/Áustria ao se
estabelecerem no Brasil são produtos de uma vida religiosa sempre marcada por uma
espiritualidade tridentina (Trento/Itália), porque baseada numa revisão do
Missal Romano, seguindo orientações do Concílio de Trento.
A Igreja Católica Romana, era totalmente
ausente na região de colonização italiana na serra gaúcha, apesar de ser a
Igreja oficial do Império Brasileiro, não tinha autonomia para criar paróquias
e dar assistência aos que recém chegavam. Alguns padres jesuítas alemães
visitavam eventualmente os colonos para celebrar os sacramentos.
Os colonos imigrantes acostumados a
uma vida religiosa intensa, tentaram por iniciativa própria, recriar o mundo
religioso com o qual estavam acostumados na antiga pátria. Dom BAREA explica
como os colonos iniciaram esse processo de reconstrução de seu mundo religioso
de outrora.
“Pouco a pouco e na
medida que as condições materiais permitiam, os colonos começam a construir
pequenos oratórios dedicados aos santos de suas localidades de origem e, nestas
miseráveis igrejinhas, todas feitas com tábuas brutas, reuniam-se os colonos nos
dias festivos”. (BAREA, 1925, apud ZUGNO, p. 419).
Apenas
superadas as primeiras dificuldades de instalação na nova colônia, os colonos
se reuniam para chegar a um acordo para construir uma pequena igreja. Na
construção da capela, um colono fazia a doação do terreno, outros doavam
pinheiros, muitos ofereciam seus serviços (mão de obra) para a construção e
muitos outros faziam doações em dinheiro. A capela era construída em poucos
dias, com troncos de pinheiros e tábuas, eram confeccionadas também as tabuinhas
(scándole), usadas para cobrir a Igreja.
As
capelas chegaram antes dos padres, construídas e mantidas pela organização
comunitária dos moradores das linhas, servindo para atender as questões
religiosas do colono imigrante abandonado pelo estado brasileiro e pela Igreja
no interior da mata virgem, entre as montanhas da serra gaúcha.
A
capela tornou-se o centro social, cultural e econômico das comunidades.
Nas capelas, com o tempo e a melhoria das
condições financeiras dos seus habitantes, outros espaços, foram sendo incorporados
à igrejinha já existente, como o cemitério, o campanário, a escola e o salão
comunitário. Esse conjunto de construções para atividades específicas é que
deve ser entendido como capela, não apenas o espaço utilizado para as rezas e
missas.
A
necessidade dos imigrantes tiroleses e italianos de construir capelas, nos
lembram o quanto vieram marcados pelo estado de Cristandade. Os espaços, os
tempos, as atividades, a vida dos colonos sempre foram marcadas pela religião.
Com
as capelas, o domingo, dia sagrado, a rotina da vida tinha outra ordem, menos
trabalho, mais orações, melhores roupas e calçados eram usados, muita alegria
através de canções, jogos, comida e muito vinho.
A
difícil escolha do santo padroeiro
Discutia-se
tudo, desde qual o material a ser utilizado na construção (pedra, tijolo ou
madeira) até a escolha do santo padroeiro. A confusão no travessão estava
estabelecida, escolher o santo era um foco de conflito entre os colonos. Havia
um exército de santos, uns podiam mais
que outros, não havendo acordo, se construía mais de uma capela no
travessão, para agradar os dois santos preferidos.
Teve um caso de uma
capela que precisou ser reconstruída, porque foi destruída por um vendaval,
quando um colono sugeriu trocar o santo padroeiro. Indagado pelos outros do
motivo da troca, disse: “parche quel li no l’é stá gnanca bon de tender la so
cesa” (porque esse não foi nem capaz de cuidar de sua própria Igreja).
Depois,
construía-se o cemitério, geralmente ao lado ou nos fundos da capela, depois o
campanário e a compra dos sinos, a escola e por último o salão comunitário.
Essa vivência religiosa
tornou possível a construção de um território simbólico de segurança e
estabilidade visível nos capitéis, capelas e Igrejas e nas imagens dos santos
padroeiros.
“Nostro
prete” (nosso padre)
Nos cultos e nas demais cerimônias
religiosas a falta de padres, fazia com que fossem realizados por um leigo,
escolhido pela comunidade. Para os colonos, esse líder religioso era conhecido
como “nostro prete” (nosso padre) ou de “prete de scapoera” (padre da
capoeira). O escolhido tinha que preencher alguns requisitos fundamentais:
devia ser uma pessoa piedosa, dada a oração e conhecedora dos problemas da
religião.
A função do padre leigo era de dirigir a
comunidade nas orações, assistir os moribundos, fazer as orações nos enterros e
abençoar as casas e os objetos sagrados, símbolos da proteção divina, que os
colonos desejavam ter em casa. O padre leigo benzia até a água, transformando-a
em água benta. Na maioria das vezes esse
padre leigo era o preferido dos colonos a aqueles enviados pelo Bispo, pois
estes só apareciam de vez em quando na comunidade.
A religiosidade foi fundamental para
lidar com as adversidades cotidianas. Pelas crenças e pelos ritos religiosos,
lembravam-se, de onde tinham partido, da vida que levavam e quais eram seus
objetivos.
O
Capo-linea (o chefe do travessão)
Também
nas comunidades os colonos faziam a escolha da autoridade civil e social, o
chamado “capo-linea” (o chefe de travessão). Este representante escolhido
também era obrigado a preencher certos requisitos para bem representar aquela
comunidade. Era necessário que fosse alguém com liderança, objetivo e de
temperamento conciliador para resolver os conflitos entre os membros da
comunidade, desentendimentos por disputas de terras, invasão de plantações por
parte de animais dos vizinhos ou do fogo que passara de um roçado para outro.
Os
colonos cientes de sua autonomia evitavam recorrer às autoridades civis da
colônia, receosos de não se fazer entender pelas dificuldades com a língua
portuguesa e com desconhecimento das leis brasileiras. Quem apelasse para a
Polícia, Juiz ou o Prefeito para resolver o problema era muito criticado.
O “soto-coa”
Era
um funcionário da Prefeitura, nomeado como comissário para atuar junto aos
colonos nas capelas. Foi a forma com que a administração civil achou para
marcar sua presença na região. Pelo seu caráter subalterno à autoridade civil,
os colonos o chamavam pejorativamente de
“soto-coa” (debaixo do rabo). Foi muito confundido com o “capo-linea (chefe do
travessão), que era escolhido pelos colonos.
O
poder administrativo nas colônias era representado pelos diretores e demais
funcionários, mas o poder mais efetivo exercido diariamente sobre o colono
imigrante foi o da Igreja Católica que teve papel fundamental na formação
social, cultural e política das colônias de imigração. Os sacerdotes foram as
autoridades mais respeitadas e sua atuação, se deu como poder disciplinador na
organização sócio cultural dos imigrantes.
Se
os conflitos não fossem resolvidos na comunidade, apelava-se, primeiro ao
padre, antes do Delegado, Prefeito ou Juiz, a quem se respeitava como uma
autoridade enviada por Deus. A palavra do padre na maioria das vezes era
definitiva. Alguns padres, que por muitos anos atuaram em uma comunidade,
muitos deles vindos da Itália, são recordados até hoje, por sua piedade e
sabedoria de vida, até pela sua habilidade política, capaz de, em muitas vezes
dar razão, a ambas às partes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário