O quebra pau com a polícia. É preciso respeitar a Santa
O imigrante Júlio Lorenzoni relata uma desordem ocorrida no dia 26 de julho de 1888, na Colônia Dona Isabel, durante à procissão na festa de Santa Ana,
“quando, portanto aquela procissão composta de cerca de duas mil pessoas, estava voltando para a Igreja [...] o subdelegado Justino Ferreira Pinto passou de chapéu na cabeça vizinho à procissão e sendo chamada a sua atenção para tal irreverência pelo negociante Fortunato De Mozzi, isto foi o suficiente para que quisesse prendê-lo. Imediatamente um policial agarrava-o brutalmente. [...] a ação do policial foi a centelha que desencadeou a barrafunda. Mais de dez ou doze policiais intervieram de espadas desembainhadas e aí a procissão debandou num instante; os sarrafos das cercas eram arrancados precipitadamente para servirem de armas de defesa e os que não tiveram tempo, recolhiam pedras para jogar nos agressores. A revolta fazia-se sempre maior; uns batiam, outros atiravam pedras contra os policiais, as mulheres fugiam, gritando por socorro, as crianças assustadas choravam e o páraco João Menegotto, com o ostensório na mão, ficou sozinho no meio da rua. As quatro mocinhas que carregavam o andor, com a imagem de Santa Ana, acharam melhor deixá-lo na calçada. [...} Fugiram espavoridas e, só mais tarde, a imagem foi recolhida por duas senhoras de idade, Frainer e Ambrosi, que, precedidas pelo padre, a reconduziram para a igreja” .(LORENZONI, 1975, p. 173).
Naqueles tempos, e para os colonos imigrantes que tinham se rebelado e ido a guerra, na sua antiga pátria, em defesa da sua fé, desrespeitar os seus santos, era um risco até para a polícia. Segundo nos relata Lorenzoni, a história teve novos desdobramentos:
“ depois de mais de duas horas, não se via na Sede um só colono, todos tendo regressado às suas casas, comentando amargamente o ocorrido e censurando as autoridades. [...] os que estavam feridos, ou que haviam levado pancadas ou espadadas, recolhiam-se ao lar; os soldados retiraram-se ao quartel. O Delegado porém, acompanhado de outros soldados [...] percorria até o escurecer a Vila, querendo capturar o comerciante Peregrino Baldini. O motivo era ter ele descarregado sua arma contra os agentes de Polícia que tinham invadido repentinamente a sua moradia [...] afirmando que os colonos estavam ali escondidos. Baldini vendo o caso mal contado, fugiu de casa [...] contra ele foi iniciado o respectivo processo, não chegando, porém a ser pronunciado, por falta absoluta de provas”. (LORENZONI, 1975, p.174).
Depois desse quebra pau todo, acredito que entre mortos e feridos, se salvaram todos.
No ano de 1890 deram início os trabalhos de construção da terceira Igreja, que foi concluída no ano de 1894.
“Ghemo inciuca anca i santi”
Um exemplo vivo da determinação e da fé católica dos colonos imigrantes em construir suas igrejas, foi a da pequena capela católica romana de Nossa Senhora das Neves ou simplesmente capela das Neves, localizada no Vale dos Vinhedos em Bento Gonçalves-RS, construída no início do século passado para substituir a capela primitiva de madeira, com cobertura em tabuinhas, tipo scándole.
A comunidade constituída principalmente por imigrantes tiroleses trentinos, decidiu construir uma capela nova de alvenaria, usando tijolos artesanais. Para atingir seu objetivo foi preciso muita fé, muito trabalho e também muito vinho. Sim, muito vinho, com certeza os colonos que construíram a capela nova devem ter bebido muito desse vinho, mas a maior parte fora utilizado para construir a pequena igreja.
Quando começaram a construção da capela, uma grande estiagem assolou a região e a água disponível estava muito longe do local. Para resolver o problema da falta de água, os moradores da Linha Leopoldina decidiram doar o vinho produzido na região, como forma de substituir a água e permitir a retomada dos trabalhos. O vinho foi misturado com a palha de trigo e argila para formar a liga necessária para unir os tijolos da capela. Segundo o depoimento, sobre a utilização do vinho na construção da capela, o descendente de imigrantes Elias Giordani que ajudou a construir a capela dizia:
“havia muito e pouca água, muito vinho de sobra, porque a safra estava pronta e precisava-se do vasilhame; pouca água, porque no morro onde está a igreja não há fontes. Então, alguém teve a ideia de molhar o barro e amassa-lo com vinho, por ser mais cômodo [...] ghemo inciuca anca i santi”. (embebedamos também os santos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário