terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XII -1ª Parte - A vida da família Rampanelli em Cembra no Tirol Italiano - Século XIX

 

A vida da família Rampanelli em Cembra no Tirol Italiano - Século XIX

                        O Tirol era uma região da Àustria, que se localizava no oeste desse país, limitava-se ao sul com a Itália, a oeste com a Suíça, ao norte com a Alemanha e a leste com outras regiões da Áustria.

                         Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Austria_Hungary_ethnic-pt.svg

                        A cultura do Tirol Italiano é uma mistura de elementos do norte da Itália e do sul da Alemanha. Eram tiroleses de língua italiana, tinham costumes e tradições tanto de sua região austríaca, quanto costumes semelhantes, às vezes idênticos aos seus vizinhos italianos do Vêneto e da Lombardia.

            Toda a região do Tirol esteve anexada à Áustria de 1363 até 1918, isto é, durante 555 anos, com apenas pequenos e breves períodos de ocupação estrangeira.  Em 1867, o Império da Áustria se uniu ao Reino da Hungria (Império Austro-Húngaro) não formavam um único país, portanto, os emigrantes não eram austro-húngaros, mas austríacos, condição essa que perdurou até 1918. 

Fonte: https://tiroleses.com.br/page/3/

             A família de Giuseppe e Ângela são pessoas de poucas posses, de vida difícil entre constantes guerras ganham, seu sustento, como camponeses lavradores, com plantio agrícola de subsistência, nos solos esgotados dos vales do rio Avísio, entre as montanhas alpinas em Cembra, condição de vida familiar que no futuro faria meu bisavô e sua família emigrar para o Brasil.


A escolaridade dos trentinos

                       

                           Apesar da difícil condição no campo, os imigrantes   tiroleses eram alfabetizados, ao contrário de muitos imigrantes italianos, isso se deve por causa da política escolar austríaca do século XVIII quando foi implantada a escola obrigatória. Segundo Grosselli, no Trento no ano de 1880 a taxa de analfabetismo entre as pessoas   com mais de 6 anos de idade girava em torno de 14,5% do total da população, em alguns vales, essa taxa variava entre 3% a 4%. (Grosselli, 1999, apud Corrêa...). Em relação aos italianos, levando-se em conta algumas divergências entre historiadores, a taxa de analfabetismo girava em torno de 50%, para alguns mais, para outros menos.

      O império austro-húngaro determinava em sua legislação que os rapazes frequentassem obrigatoriamente a escola até os 14 anos de idade. Grosseli informa ainda que todas as aldeias do Trentino possuíam  uma escola primária, por isso o número de alfabetizados entre seus habitantes era alto. No Tirol Italiano o ensino era feito em língua italiana, um dos idiomas oficiais do Império. O catecismo era ensinado regularmente.                               https://tiroleses.com.br/2017/11/26/os-imigrantes-de-rodeio-sc/


  





O censo demográfico da população da Colônia Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, realizado em 1883 onde aparece a família de Giuseppe e Ângela, confirmam as afirmações dos historiadores, pois o pai Giuseppe Rampanelli e o filho Luigi Giacomo Salvatore Rampanelli, que emigrou para o Brasil com 14 anos de idade, aparecem no censo como alfabetizados, os demais membros da família aparecem como analfabetos.  Os outros filhos  eram muito pequenos para ter frequentado a escola no Trentino e no Brasil, os filhos dos imigrantes não tinham acesso à escola, porque nos primeiros tempos de colonização elas nem existiam, devido às condições precárias das colônias e  também da necessidade do trabalho braçal para a sobrevivência da família. Para Caprara e Luchese [...] o índice de analfabetismo multiplicou-se  nas colônias entre os filhos de imigrantes que não tinham onde estudar.

            Quanto à nona Ângela não teve a mesma oportunidade de estudo que o nono Giuseppe, pois as escolas austríacas no Tirol Italiano eram somente para os meninos.

A crise na agricultura Trentina

Cembra em 1870.  Camponeses trentinos com seus cestos (gerlos). No fundo da imagem a Igreja de San Rocco. Imagem Darci Zanotelli.

O gerlo (o cesto)

                        O gerlo ou  ceston é um grande cesto que era (ainda é) carregado nas costas pelos camponeses do Vale de Cembra no Tirol Italiano na Áustria, hoje Itália, enquanto eles trabalhavam, não em campos planos e nivelados, mas nas encostas íngremes onde as videiras eram cultivadas. A música e o canto faziam parte do cotidiano, tanto em suas casas, campos, trabalho, tabernas, como nos seus filós noturnos em seus estábulos. Era uma forma de amenizar o trabalho árduo e fatigante.

                   A música que era cantada pelos trentinos (tiroleses) fala da relutância de uma jovem de se levantar da cama e realizar o difícil trabalho do dia.  

 Su ragazze alzatevi dal letto che è ora!                                                                                                     C’è la mamma che vi chiama ad uscire dal letto                                                                                          Per andare in campagna com la gerla                                                                                                         In campagna o in montagna a lavorare com la gerla.

 Benedetta Val di Cembra com la gerla                                                                                                         Non si vede mai nessuno senza la gerla                                                                                                 Tutti al mattino presto si avviano com la gerla                                                                                          E vanno a lavorare tutti com la gerla.  

 Incontro una prima persona e mi saluta: há la gerla                                                                           Incontro una seconda persona e la ló stesso: há la gerla                                                                   Incontro  uma terza persona: è il mio innamorato,                                                                                 moro di capelli, e senza gerla                                                                                                                 Non mia neppure salutata: Che sofferenza al cuore!

Tradução

 Vamos menina, saia da cama que já  está na hora                                                                                       A mãe é  quem te chama para sair da cama                                                                                             Para ir ao campo com o cesto                                                                                                                     No campo ou nas montanhas para trabalhar com o cesto.

 Abençoado Vale de Cembra com o cesto                                                                                               Você nunca vê ninguém sem o cesto                                                                                                       Todo mundo começa de manhã cedo com o cesto                                                                                      E todos vão trabalhar com o cesto.

Encontro uma primeira pessoa e me cumprimenta: Ela tem o cesto
Encontro uma segunda pessoa e ela também tem o cesto
Encontro uma terceira pessoa: ele é meu namorado, com cabelos morenos e sem  o cesto

 
 
Nem mesmo me cumprimenta: Que  sofrimento para o coração!
 


                 Ao sair de casa, ela encontra amigos e vizinhos todos carregando seu cesto. Ela encontra seu jovem namorado de cabelos morenos, sem um cesto, uma indicação de que ele está prestes a partir como emigrante ou está realizando um trabalho não agrícola, sem a necessidade de um cesto. Ele nem a cumprimenta e, em sua dissociação, ela sofre com a dor no coração.

                        A economia da região do Tirol Italiano na Áustria, nos anos de 1870 era praticamente toda agrícola, formada por minifúndios, que na média não chegavam a meio hectare ( 5.000 m² ).  A terra além de pouca, não era muito fértil e dividida em pequenas e pequeníssimas propriedades, voltadas apenas a subsistência (autoconsumo) dos lavradores.  

                     Era cultivada pelos membros da família (na média 5 pessoas), através de uma  agricultura sem muita técnica que produzia principalmente uva, vinho, milho, trigo, centeio, cevada, legumes, hortaliças, folhas de amoreira para o bicho da seda, mel, queijos e lã. A produção agrícola da região era insuficiente para cobrir as necessidades básicas de sua população, por isso em 1875, ano do início da emigração se fazia necessário importar arroz, café, frutos meridionais, pescado, animais de corte e de tração, óleos, trigo e milho.

Panorâmica da Comune de Cembra, lugar de origem da família de Giuseppe Rampanelli e Ângela Nicolodi em 1903. Fonte: Zanotelli

                        A maior parte desta agricultura dependia da produção do vinho e da seda, portanto, necessário se faz inserir neste contexto a crise gerada pela doença do bicho da seda, a Pebrina, a partir de 1859, também chamada de “epidemia pebriana” que destruiu a principal fonte de renda dos camponeses trentinos,  e o Criptógamo a praga na lavoura que atingiu a videira a partir de 1850. A produção do vinho e a produção do casulo para o bicho da seda diminuíram em 60% no ano de 1874. (V. Riccabona, in Grosselli, 1987, p. 54,55, apud Zanotelli.....).


                  A renda familiar dos camponeses diminuía, ao mesmo tempo, que os preços dos          produtos agrícolas também caíam, por outro lado os impostos aumentavam. A vida no campo   passou a ficar insustentável.

            Desse momento em diante, a fome começou a fazer parte daqueles que se viam excluídos das mudanças que ocorriam na sociedade. De Boni e Costa apresentam a situação vivida na região do Trentino naquele período.

              As populações camponesas não conseguiam mais satisfazer suas necessidades alimentares básicas, obrigando-os, geralmente o pai e/ou os irmãos mais velhos à emigração temporária ou ao emprego, em determinados períodos do ano, geralmente no outono, no setor industrial. Até 1860 essa emigração interna foi responsável pela saída de uma considerável parte da população trentina para procurar trabalho em outras regiões da Europa.




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