Os
conflitos entre batateiros e polenteiros em Isabela
Dona Isabel, atual Bento Gonçalves, em 1890. Fonte:https://prati.com.br/rs
A convivência entre os
imigrantes tiroleses trentinos e italianos nas colônias de imigração na serra
gaúcha, nos primórdios da colonização, nem sempre foi pacífica. Existem muitos
relatos, registros e publicações que retratam o patriotismo austríaco dos
imigrantes tiroleses no Brasil, mas
também de alguns casos onde são observados um certo exagero. Vários episódios
de “brigas” e “confusões” entre os colonos tiroleses e os italianos, como este
relatado por uma descendente de trentinos, residente em Garibaldi, no Rio
Grande do Sul:
“Havia muita briga, tem relatórios [...] ia cartas para lá ou telegrama para vim a polícia de Porto Alegre para apartar a briga aqui entre os trentinos e os italianos de outras regiões porque os trentinos queriam botar a bandeira deles da Áustria e os outros queria botar a bandeira da Itália então havia confusão entre eles [...] então eles diziam que os trentinos comiam batatas eram batateiros e os outros eram polenteiros [...] mas quando tinha alguma coisa pra pedir ao governo que eles queriam alguma coisa se uniam tudo (EK, apud CORREA, 2018, p. 65
O que efetivamente incomodava os tiroleses trentinos, era o fato dos imigrantes italianos serem a maioria nas colônias de imigração. Os colonos trentinos nos primórdios da imigração foram muito discriminados pelos colonos italianos e pelas autoridades italianas que visitavam a região, não eram considerados nem austríacos, nem italianos por pertencerem a um grupo étnico que habitava um território ocupado por uma potência estrangeira, à Áustria.
Esta
particularidade, digna de registro, marcou a família de meu bisavô Giuseppe
Rampanelli e também os sete por cento de
imigrantes tiroleses que vieram ao Rio Grande do Sul, bem como seus
descendentes. Encontramos esta particularidade registrada nos escritos de
(FROSI; MIORANZA):
“Os
trentinos tinham uma situação histórica própria da região do Trentino-Alto
Ádige que esteve sob o domínio do Império Austro-Hungaro até 1917. [...] os
trentinos eram, frequentemente, classificados pelos demais ítalo-descendentes
como “tirolesi senza bandiera (tiroleses sem bandeira ou, dito de outro modo,
sem pátria).” (FROSI;MIORANZA, 1975 apud FROSI, 2013, p.112).
Portanto,
aqueles
que tinham o passaporte austríaco, com carimbo de perda da cidadania, nas
colônias eram chamados de “sem bandeira” pelos imigrantes de passaporte
italiano.
Não eram considerados
austríacos, nem italianos e nem brasileiros. Foram estigmatizados de tal forma,
que na primeira geração de imigrantes que aqui chegaram, não eram aceitos por
imigrantes oriundos da Itália, não era possível os casamentos entre tiroleses e
italianos, pois os primeiros não eram reconhecidos como italianos.
Muitos
incidentes envolvendo italianos e trentinos aconteceram nas colônias de
imigração no Rio Grande do Sul. “Um deles foi publicado pelo Jornal Stella
d’Itália (sem data) exemplar número 3,
que descrevia uma briga que resultou num assassinato, envolvendo um
italiano e um trentino. Um deles, ao ser chamado de tirolese senza bandiera
(tirolês sem bandeira), reagira a tiros e matara o outro” (COSTA; GARDELIN,
apud CORRÊA, 2018, p.131)
Essa rivalidade entre colonos italianos e os tiroleses trentinos nas colônias, vinha de longa data e do outro lado do oceano Atlântico. A maior disputa entre eles se deu no campo religioso, apesar de que tanto tiroleses como os italianos eram católicos fervorosos.
Imperador austríaco Francisco
Giuseppe
Esta obra é da coleção George Grantham Bainda Biblioteca do Congresso dos EUA.
Obra de domínio público. https://commons.wikimedia.org/wiki/
Ao passo que o rei italiano Vittorio Emanuele II havia declarado guerra ao Papa por causa das terras da Igreja e por Garibaldi ter tentado, sem sucesso, assassinar o Prelado Romano. A união entre Império Austríaco, Tirol e Igreja Católica ficava bem evidente.
Rei italiano Vittorio Emanuele II
https://commons.wikimedia.org/wiki/ - Obra de domínio público.
Por
causa dessas posições adotadas pela Áustria e pela Itália em relação à Igreja
Católica os tiroleses se achavam mais católicos que os italianos, por não
pertencerem a um estado condenado pelo Papa.
Os tiroleses trentinos, influenciados pelo clero ultramontano,
rejeitavam a propaganda anarquista e socialista que existia na Itália. A
unificação italiana, através do irredentismo, uma doutrina defendida por
aqueles que entendem que devem pertencer à Itália todas as regiões que, embora
politicamente separadas daquele país, estão ligadas a ela pelos costumes e pela
língua.
A
atuação muito forte do clero católico na região queria preservar os costumes
dos trentinos desse tipo de pensamento, pois eram fiéis ao Papa e se opunham ao
governo liberal instalado na Itália, com inspiração maçônica, desde a sua
unificação. Buscavam também a volta do poder do Papa e da Igreja Católica na
Itália, destituído desde a unificação italiana em 1848.
Giuseppe
Garibaldi – O herói de dois mundos
Vários
imigrantes italianos haviam combatido em 1866 nas batalhas de unificação em
nome do Reino da Itália e contra o Império austríaco. Nesta guerra a Itália era
aliada da Prússia (futuro Império Alemão), já havia perdido a Lombardia e o Vêneto para a
Áustria após a derrota de Napoleão Bonaparte, e das decisões do Congresso de
Viena de 1815. As tropas italianas, guiadas pelo revolucionário Giuseppe
Garibaldi, o mesmo que havia participado das lutas da Revolução Farroupilha na
Província do Rio Grande do Sul, tentaram anexar o Tirol ao Reino Italiano, mas
sem sucesso.
Poucos
tiroleses se alistaram ao Exército Garibaldino, ao passo que alguns milhares
combateram contra a Itália na defesa das fronteiras do Tirol, seja como
soldados do Exército Austríaco ou como voluntários.
Anita Garibaldi – A heroína de dois
mundo
Anita Garibaldi representada pelo pintor genovês Gaetano Gallino, em 1845 na cidade de Montevidéu. É o único retrato existente tomado realmente de Anita.
Fonte:https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anita_Garibaldi_-_1839.jpg
Em
1841, Garibaldi solicita e obtém do General Bento Gonçalves da Silva a
permissão para deixar o exército republicano. Garibaldi, mudou-se com Anita
para Montevidéu no Uruguai. Em 1842 o casal legalizou sua união, na Igreja de
São Francisco de Assis, em Montevidéu. No Uruguai nasceram os três filhos do
casal: Rosa (1843), (falecida dois anos mais tarde), Teresa (1845) e Ricciotti
Garibaldi (1847). Nesse ano de 1847, Anita vai para a Itália com os filhos e
encontra-se com a mãe de Garibaldi e viajam para a cidade de Nizza, atual Nice,
na França, onde deixa os filhos, aos cuidados da avô e mãe de Garibaldi.
Em
9 de fevereiro de 1849, presenciou com o marido a proclamação da República
Romana, mas a invasão franco-austríaca de Roma, depois da batalha no Janículo,
obrigou-os a abandonar a cidade. Com 3.900 soldados Garibaldi deixou Roma. Em
sua perseguição saíram três exércitos (franceses, espanhóis e napolitanos) com
40 mil homens. Ao norte lhes esperava o exército austríaco, com 15 mil
soldados.
Anita
e Garibaldi tinham que enfrentar a guerra e lutar para salvar o território
italiano. Mesmo grávida, ela enfrentou tudo até o fim. Durante a fuga, Anita,
no final da gravidez, teve suas condições de saúde pioradas, quando atingiram a
República de San Marino. Ela e Garibaldi decidiram não aceitar o salvo-conduto
oferecido pelo embaixador americano e continuaram a fuga. Com febre e
perseguida pelo exército austríaco, foi transportada às pressas à fazenda
Guiccioli, próximo a Ravena, onde faleceu, junto com a criança, em 4 de agosto
de 1849, com 27 anos de idade.
Garibaldi,
caçado pelos austríacos, não pode acompanhar o sepultamento de Anita. Garibaldi
conseguiu fugir outra vez para o exílio e nos dez anos em que esteve fora da
Itália, os restos mortais de Anita foram exumados por sete vezes. Por vontade
do marido, seu corpo foi transferido para Nice na França. Em 1932, seu corpo
foi finalmente sepultado no monumento construído em sua homenagem no Janículo,
em Roma.
Voltando à Isabela
Contudo
a partir de 1875, muitos soldados de Garibaldi, chamados garibaldinos ou
carbonários, emigraram para o Brasil, pois o Reino da Itália, pelo qual
combateram não mais lhe oferecia condições de sobrevivência. Em terras
brasileiras encontraram problemas com os colonos tiroleses.
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