quarta-feira, 12 de março de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XXV - Os conflitos entre batateiros e polenteiros em Isabela. Parte 1 - A origem

 

Os conflitos entre batateiros e polenteiros em Isabela

 Dona Isabel, atual Bento Gonçalves, em 1890. Fonte:https://prati.com.br/rs

                        A convivência entre os imigrantes tiroleses trentinos e italianos nas colônias de imigração na serra gaúcha, nos primórdios da colonização, nem sempre foi pacífica. Existem muitos relatos, registros e publicações que retratam o patriotismo austríaco dos imigrantes tiroleses no Brasil,  mas também de alguns casos onde são observados um certo exagero. Vários episódios de “brigas” e “confusões” entre os colonos tiroleses e os italianos, como este relatado por uma descendente de trentinos, residente em Garibaldi, no Rio Grande do Sul:

“Havia muita briga, tem relatórios [...] ia cartas para lá ou telegrama para vim a polícia de Porto Alegre para apartar a briga aqui entre os trentinos e os italianos de outras regiões porque os trentinos queriam botar a bandeira deles da Áustria e os outros queria botar a bandeira da Itália então havia confusão entre eles [...] então eles diziam que os trentinos comiam batatas eram batateiros e os outros eram polenteiros [...] mas quando tinha alguma coisa pra pedir ao governo que eles queriam alguma coisa se uniam tudo (EK, apud CORREA, 2018, p. 65

            O que efetivamente incomodava os tiroleses trentinos, era o fato dos imigrantes italianos serem a maioria nas colônias de imigração.  Os colonos trentinos nos primórdios da imigração foram muito discriminados pelos colonos italianos e pelas autoridades italianas que visitavam a região, não eram considerados nem austríacos, nem italianos por pertencerem a um grupo étnico que habitava um território ocupado por uma potência estrangeira, à Áustria. 

       Esta particularidade, digna de registro, marcou a família de meu bisavô Giuseppe Rampanelli  e também os sete por cento de imigrantes tiroleses que vieram ao Rio Grande do Sul, bem como seus descendentes. Encontramos esta particularidade registrada nos escritos de (FROSI; MIORANZA):

“Os trentinos tinham uma situação histórica própria da região do Trentino-Alto Ádige que esteve sob o domínio do Império Austro-Hungaro até 1917. [...] os trentinos eram, frequentemente, classificados pelos demais ítalo-descendentes como “tirolesi senza bandiera (tiroleses sem bandeira ou, dito de outro modo, sem pátria).” (FROSI;MIORANZA, 1975 apud FROSI, 2013, p.112).

                               Portanto, aqueles que tinham o passaporte austríaco, com carimbo de perda da cidadania, nas colônias eram chamados de “sem bandeira” pelos imigrantes de passaporte italiano.  Não eram considerados austríacos, nem italianos e nem brasileiros. Foram estigmatizados de tal forma, que na primeira geração de imigrantes que aqui chegaram, não eram aceitos por imigrantes oriundos da Itália, não era possível os casamentos entre tiroleses e italianos, pois os primeiros não eram reconhecidos como italianos.

                        Muitos incidentes envolvendo italianos e trentinos aconteceram nas colônias de imigração no Rio Grande do Sul. “Um deles foi publicado pelo Jornal Stella d’Itália (sem data) exemplar número 3,  que descrevia uma briga que resultou num assassinato, envolvendo um italiano e um trentino. Um deles, ao ser chamado de tirolese senza bandiera (tirolês sem bandeira), reagira a tiros e matara o outro” (COSTA; GARDELIN, apud CORRÊA, 2018, p.131)

                        Essa rivalidade entre colonos italianos e os tiroleses trentinos  nas colônias, vinha de longa data e do outro lado do oceano Atlântico. A maior disputa entre eles se deu no campo religioso, apesar de que tanto tiroleses como os italianos eram católicos fervorosos.

           No caso dos tiroleses, estes demonstravam muito respeito pela figura do Imperador austríaco Francisco José (Franz Joseph ou Francesco Giuseppe), mas o faziam mais pelo aspecto religioso que político, pois o monarca era um defensor aberto do Papado.



Imperador austríaco Francisco Giuseppe

Esta obra é da coleção George Grantham Bainda Biblioteca do Congresso dos EUA. 

Obra de domínio público. https://commons.wikimedia.org/wiki/



Ao passo que o rei italiano Vittorio Emanuele II havia declarado guerra ao Papa por causa das terras da Igreja e por Garibaldi ter tentado, sem sucesso, assassinar o Prelado Romano. A união entre Império Austríaco, Tirol e Igreja Católica ficava bem evidente.

 

                                                 Rei italiano Vittorio Emanuele II


                     https://commons.wikimedia.org/wiki/ - Obra de domínio público.


            Por causa dessas posições adotadas pela Áustria e pela Itália em relação à Igreja Católica os tiroleses se achavam mais católicos que os italianos, por não pertencerem a um estado condenado pelo Papa.  Os tiroleses trentinos, influenciados pelo clero ultramontano, rejeitavam a propaganda anarquista e socialista que existia na Itália. A unificação italiana, através do irredentismo, uma doutrina defendida por aqueles que entendem que devem pertencer à Itália todas as regiões que, embora politicamente separadas daquele país, estão ligadas a ela pelos costumes e pela língua.

            A atuação muito forte do clero católico na região queria preservar os costumes dos trentinos desse tipo de pensamento, pois eram fiéis ao Papa e se opunham ao governo liberal instalado na Itália, com inspiração maçônica, desde a sua unificação. Buscavam também a volta do poder do Papa e da Igreja Católica na Itália, destituído desde a unificação italiana em 1848.

Giuseppe Garibaldi – O herói de dois mundos

            Vários imigrantes italianos haviam combatido em 1866 nas batalhas de unificação em nome do Reino da Itália e contra o Império austríaco. Nesta guerra a Itália era aliada da Prússia (futuro Império Alemão),  já havia perdido a Lombardia e o Vêneto para a Áustria após a derrota de Napoleão Bonaparte, e das decisões do Congresso de Viena de 1815. As tropas italianas, guiadas pelo revolucionário Giuseppe Garibaldi, o mesmo que havia participado das lutas da Revolução Farroupilha na Província do Rio Grande do Sul, tentaram anexar o Tirol ao Reino Italiano, mas sem sucesso.

            Poucos tiroleses se alistaram ao Exército Garibaldino, ao passo que alguns milhares combateram contra a Itália na defesa das fronteiras do Tirol, seja como soldados do Exército Austríaco ou como voluntários.

Giuseppe Garibaldi ferido na perna, após batalha pela unificação italiana em  Aspromonte na Itália em 1862. Fonte: https://prati.com.br/rs/giuseppe-garibaldi-1862.html

Anita Garibaldi – A heroína de dois mundo

            Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi, nasceu em Laguna em Santa Catarina, atual localidade de Morrinhos em Tubarão/SC em 30 de agosto de 1821.  Envolveu-se diretamente na Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835-1945) e no processo de unificação da Itália (1949), junto com seu marido Giuseppe Garibaldi, por esse motivo é conhecida como a “Heroína dos Dois Mundos”. 


Anita Garibaldi representada pelo pintor genovês Gaetano Gallino, em 1845 na cidade de Montevidéu. É o único retrato existente tomado realmente de Anita.

Fonte:https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anita_Garibaldi_-_1839.jpg


                        Em 1841, Garibaldi solicita e obtém do General Bento Gonçalves da Silva a permissão para deixar o exército republicano. Garibaldi, mudou-se com Anita para Montevidéu no Uruguai. Em 1842 o casal legalizou sua união, na Igreja de São Francisco de Assis, em Montevidéu. No Uruguai nasceram os três filhos do casal: Rosa (1843), (falecida dois anos mais tarde), Teresa (1845) e Ricciotti Garibaldi (1847). Nesse ano de 1847, Anita vai para a Itália com os filhos e encontra-se com a mãe de Garibaldi e viajam para a cidade de Nizza, atual Nice, na França, onde deixa os filhos, aos cuidados da avô e mãe de  Garibaldi.

            Em 9 de fevereiro de 1849, presenciou com o marido a proclamação da República Romana, mas a invasão franco-austríaca de Roma, depois da batalha no Janículo, obrigou-os a abandonar a cidade. Com 3.900 soldados Garibaldi deixou Roma. Em sua perseguição saíram três exércitos (franceses, espanhóis e napolitanos) com 40 mil homens. Ao norte lhes esperava o exército austríaco, com 15 mil soldados.

                   Garibaldi e Anita, grávida e doente, fogem de Roma em 1849. Fonte: Quadro de anônimo, século XIX.

            Anita e Garibaldi tinham que enfrentar a guerra e lutar para salvar o território italiano. Mesmo grávida, ela enfrentou tudo até o fim. Durante a fuga, Anita, no final da gravidez, teve suas condições de saúde pioradas, quando atingiram a República de San Marino. Ela e Garibaldi decidiram não aceitar o salvo-conduto oferecido pelo embaixador americano e continuaram a fuga. Com febre e perseguida pelo exército austríaco, foi transportada às pressas à fazenda Guiccioli, próximo a Ravena, onde faleceu, junto com a criança, em 4 de agosto de 1849, com 27 anos de idade. 

            Garibaldi, caçado pelos austríacos, não pode acompanhar o sepultamento de Anita. Garibaldi conseguiu fugir outra vez para o exílio e nos dez anos em que esteve fora da Itália, os restos mortais de Anita foram exumados por sete vezes. Por vontade do marido, seu corpo foi transferido para Nice na França. Em 1932, seu corpo foi finalmente sepultado no monumento construído em sua homenagem no Janículo, em Roma.

Voltando à Isabela

                        Contudo a partir de 1875, muitos soldados de Garibaldi, chamados garibaldinos ou carbonários, emigraram para o Brasil, pois o Reino da Itália, pelo qual combateram não mais lhe oferecia condições de sobrevivência. Em terras brasileiras encontraram problemas com os colonos tiroleses.

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