quinta-feira, 13 de março de 2025

Família Rampanelli - Capítulo XXV - Os conflitos entre batateiros e polenteiros em Isabela. 2ª Parte - A teimosia dos tiroleses

 

                                                                A teimosia dos tiroleses


                          Fonte: https://tiroleses.com.br/2019/04/05/retorno-as-origens-tirolesas/ 

                        Para  o imigrante italiano, LORENZONI, 1975 os tiroleses eram: “de índole geralmente boa e pacífica, bons trabalhadores, econômicos, mas ao mesmo tempo teimosos ao extremo. [...] Nada, porém, desmerece a dívida de gratidão dos italianos para com os tiroleses, pois foram eles que, em 1882, iniciaram e fundaram  a nossa Sociedade Italiana de Mútuo Socorro, da qual foi primeiro Presidente o senhor Domingos Loss, natural de Caoria”.

                                Por outro lado, os imigrantes trentinos mantinham uma identidade diferenciada dos demais italianos nas colônias onde se instalaram em travessões, próximos uns dos outros, através de casamentos dentro do próprio grupo, e de rixas com os demais italianos. Existia certa aversão dos tiroleses à Itália e aos italianos.

                        Esta realidade foi vivida pela família de meu bisavô, Giuseppe Rampanelli nos primeiros tempos no Brasil, pois dentro da família a socialização se dava sempre com trentinos. Meu tio avô Luigi Rampanelli, o filho mais velho, casou com Constanza Pozza, uma mulher trentina,os padrinhos de batismo do meu avô Carlo Rampanelli e do meu tio avô Isidoro Rampanelli, também eram casais trentinos, todos vizinhos e companheiros de viagem para o Brasil.

                        Estes conflitos perduraram no tempo e no espaço, amainavam em alguns momentos e floresciam noutros, como no caso da queda da monarquia, em 1889, onde os polenteiros (italianos) fizeram festa e os batateiros (tiroleses) ficaram tristes, pois os tiroleses no Brasil transferiram a simpatia que sentiam pelo Imperador Francisco José a D. Pedro II, inclusive os jornais católicos do Trentino manifestaram sinais de luto.

                        Outro momento de tensão entre batateiros e polenteiros se deu na revolução da degola (1893-1895) na Província do Rio Grande do Sul, onde os tiroleses eram legalistas e os italianos eram contra o governo, manifestando apoio aos revolucionários. Apesar, das diferenças entre os  imigrantes, muitos italianos, e muitos tiroleses estiveram lutando lado a lado na revolução.

1ª Guerra Mundial  - Explode a rivalidade entre tiroleses e trentinos

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL FRENTE ITALIANA. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=jQQshdbts34

                        O acirramento dos conflitos foi maior na primeira grande  guerra (1914-1918), pois tiroleses trentinos e italianos, mais uma vez, lutaram em lados opostos, o que ocasionou novas hostilidades e violência.  Muitos imigrantes, tanto tiroleses austríacos, como italianos, voltaram para a Europa para lutar por suas pátrias de origem. Vários deles não retornaram.

                   Em depoimento gravado por Rovílio Costa e Arlindo Battistel, encontramos o relato de uma briga entre um italiano e um tirolês, ocorrido na região de Caxias do Sul na época da 1ª Guerra Mundial. Nessa briga, um italiano, oriundo de Feltre (Itália) feriu  com uma faca um tirolês, vindo da Áustria.

                   Eles brigavam por causa das guerras e, então, porque um dizia que na sua guerra havia morrido menos soldados, o outro, então, ficava com um pouco de ódio e, uma vez, começaram aqui perto de Caxias, a brigar. Um era  José Pegorini. Creio que ele era de Feltre. O outro, dizem os tiroleses, era da Áustria, devia ser do Tirol. Então, não se davam bem; quando se encontravam, um contava da sua gente mais proezas, e o outro que eles tinham feito mais, e uma vez começaram a brigar, e aí o Pegorini tinha uma faca e cortou a barriga do outro. Quando ele cortou a barriga, ele fugiu, foi para casa” [...] (COSTA; BATTISTEL, apud CORRÊA, 2018, p. 131).

                        Não encontramos registros se o ferido sobreviveu, mas no dia seguinte ao fato, o autor da facada foi preso e depois julgado, nem quanto tempo permaneceu preso.

                        No final do conflito, em 1918, a Itália foi a vencedora e a região do Trentino-Alto Ádige foi incorporada à Itália. Somente após o final da 1ª Guerra Mundial, a parte sul do Tirol (Trento e Bolzano) foi anexada pela Itália como conquista de guerra. Efetivamente essa anexação funcionou somente a partir de 1920, com a região do Trentino Alto Ádige mantendo-se como província autônoma, agora não mais ligada à Áustria, mas à Itália.

Antes católicos, depois austríacos e enfim italianos

                        Naturalmente, com o tempo, o bom convívio prevaleceu entre os imigrantes, mas os tiroleses jamais renegaram suas origens e sua pátria austríaca.

O Amor superou rivalidades

                        Os autores Rovílio Costa e Arlindo Battistel explicam em nota sobre o patriotismo dos imigrantes:

            Existem casos pitorescos, na zona de colonização italiana, relacionados sobre o patriotismo dos imigrantes. Um Pegorini, por exemplo, em memória de seu fervor italiano, deu a uma filha o nome de Itália. Um vizinho dele, Dorigon, proveniente do Tirol, em memória a Francisco Giuseppe. Imperador da Áustria, deu ao filho o nome de Francisco, mas o amor dos descendentes esqueceu as rivalidades patrióticas dos pais. O Francisco casou com a Itália, e residem ainda hoje, em  Caxias do Sul (COSTA; BATTISTEL, apud CORRÊA, p. 132)

                        A partir da segunda geração de imigrantes este estigma diminuiu, e muitos casamentos ocorreram entre imigrantes tiroleses e italianos. Esta afirmação é tão verdadeira, pois esse foi o caso de meu avô, descendente de trentinos,  Carlo Rampanelli que casou com minha avó Catherina Bonatto, uma imigrante italiana, proveniente da comuna de Genova na Itália.

                        Portanto, o amor entre trentinos e italianos também prevaleceu na família Rampanelli, muitos descendentes  casaram e viveram felizes para sempre, e, sendo este autor, bisneto de batateiros,  bisneto e neto de polenteiros, um descendente muito feliz, pois adora batata com polenta.

O tempo e a mistura

                        O tempo e a mistura foram os principais fatores para a formação de uma cultura “taliana”, uma cultura própria da serra gaúcha. Da mistura moldou-se aquela que é a autêntica realidade brasileira, porque “taliana” e não mais italiana ou tirolesa, e as antigas diferenças e disputas entre batateiros e polenteiros se perderam com os casamentos mistos e permitiram o surgimento da “língua talian”, uma mistura de dialetos italianos, de maioria de origem no dialeto vêneto, com palavras em português, reconhecida como segunda língua oficial brasileira, com mais de 500 mil falantes no Brasil, e da população residente na serra gaúcha.

 


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