A teimosia dos tiroleses
Para
o imigrante italiano, LORENZONI, 1975 os
tiroleses eram: “de índole geralmente boa e pacífica, bons trabalhadores,
econômicos, mas ao mesmo tempo teimosos ao extremo. [...] Nada, porém,
desmerece a dívida de gratidão dos italianos para com os tiroleses, pois foram
eles que, em 1882, iniciaram e fundaram
a nossa Sociedade Italiana de Mútuo Socorro, da qual foi primeiro
Presidente o senhor Domingos Loss, natural de Caoria”.
Por outro lado, os
imigrantes trentinos mantinham uma identidade diferenciada dos demais italianos
nas colônias onde se instalaram em travessões, próximos uns dos outros, através
de casamentos dentro do próprio grupo, e de rixas com os demais italianos.
Existia certa aversão dos tiroleses à Itália e aos italianos.
Esta
realidade foi vivida pela família de meu bisavô, Giuseppe Rampanelli nos
primeiros tempos no Brasil, pois dentro da família a socialização se dava
sempre com trentinos. Meu tio avô Luigi Rampanelli, o filho mais velho, casou
com Constanza Pozza, uma mulher trentina,os padrinhos de batismo do meu avô
Carlo Rampanelli e do meu tio avô Isidoro Rampanelli, também eram casais
trentinos, todos vizinhos e companheiros de viagem para o Brasil.
Estes conflitos
perduraram no tempo e no espaço, amainavam em alguns momentos e floresciam
noutros, como no caso da queda da monarquia, em 1889, onde os polenteiros
(italianos) fizeram festa e os batateiros (tiroleses) ficaram tristes, pois os
tiroleses no Brasil transferiram a simpatia que sentiam pelo Imperador
Francisco José a D. Pedro II, inclusive os jornais católicos do Trentino
manifestaram sinais de luto.
Outro momento de tensão entre batateiros e polenteiros se deu na revolução da degola (1893-1895) na Província do Rio Grande do Sul, onde os tiroleses eram legalistas e os italianos eram contra o governo, manifestando apoio aos revolucionários. Apesar, das diferenças entre os imigrantes, muitos italianos, e muitos tiroleses estiveram lutando lado a lado na revolução.
1ª
Guerra Mundial - Explode a rivalidade
entre tiroleses e trentinos
O
acirramento dos conflitos foi maior na primeira grande guerra (1914-1918), pois tiroleses trentinos
e italianos, mais uma vez, lutaram em lados opostos, o que ocasionou novas
hostilidades e violência. Muitos
imigrantes, tanto tiroleses austríacos, como italianos, voltaram para a Europa
para lutar por suas pátrias de origem. Vários deles não retornaram.
Em depoimento gravado por Rovílio Costa e Arlindo Battistel, encontramos
o relato de uma briga entre um italiano e um tirolês, ocorrido na região de
Caxias do Sul na época da 1ª Guerra Mundial. Nessa briga, um italiano, oriundo
de Feltre (Itália) feriu com uma faca um
tirolês, vindo da Áustria.
“Eles brigavam
por causa das guerras e, então, porque um dizia que na sua guerra havia morrido
menos soldados, o outro, então, ficava com um pouco de ódio e, uma vez,
começaram aqui perto de Caxias, a brigar. Um era José Pegorini. Creio que ele era de Feltre. O
outro, dizem os tiroleses, era da Áustria, devia ser do Tirol. Então, não se
davam bem; quando se encontravam, um contava da sua gente mais proezas, e o
outro que eles tinham feito mais, e uma vez começaram a brigar, e aí o Pegorini
tinha uma faca e cortou a barriga do outro. Quando ele cortou a barriga, ele
fugiu, foi para casa” [...] (COSTA; BATTISTEL, apud CORRÊA, 2018, p. 131).
Não
encontramos registros se o ferido sobreviveu, mas no dia seguinte ao fato, o
autor da facada foi preso e depois julgado, nem quanto tempo permaneceu preso.
No
final do conflito, em 1918, a Itália foi a vencedora e a região do
Trentino-Alto Ádige foi incorporada à Itália. Somente após o final da 1ª Guerra
Mundial, a parte sul do Tirol (Trento e Bolzano) foi anexada pela Itália como
conquista de guerra. Efetivamente essa anexação funcionou somente a partir de
1920, com a região do Trentino Alto Ádige mantendo-se como província autônoma,
agora não mais ligada à Áustria, mas à Itália.
Antes
católicos, depois austríacos e enfim italianos
Naturalmente, com o
tempo, o bom convívio prevaleceu entre os imigrantes, mas os tiroleses jamais
renegaram suas origens e sua pátria austríaca.
O
Amor superou rivalidades
Os autores Rovílio Costa
e Arlindo Battistel explicam em nota sobre o patriotismo dos imigrantes:
“Existem casos pitorescos, na zona de colonização
italiana, relacionados sobre o patriotismo dos imigrantes. Um Pegorini, por
exemplo, em memória de seu fervor italiano, deu a uma filha o nome de Itália.
Um vizinho dele, Dorigon, proveniente do Tirol, em memória a Francisco
Giuseppe. Imperador da Áustria, deu ao filho o nome de Francisco, mas o amor
dos descendentes esqueceu as rivalidades patrióticas dos pais. O Francisco
casou com a Itália, e residem ainda hoje, em
Caxias do Sul (COSTA; BATTISTEL, apud CORRÊA, p. 132)
A
partir da segunda geração de imigrantes este estigma diminuiu, e muitos
casamentos ocorreram entre imigrantes tiroleses e italianos. Esta afirmação é
tão verdadeira, pois esse foi o caso de meu avô, descendente de trentinos, Carlo Rampanelli que casou com minha avó Catherina Bonatto, uma imigrante italiana, proveniente da comuna de Genova na
Itália.
Portanto,
o amor entre trentinos e italianos também prevaleceu na família Rampanelli,
muitos descendentes casaram e viveram
felizes para sempre, e, sendo este autor, bisneto de batateiros, bisneto e neto de polenteiros, um descendente
muito feliz, pois adora batata com polenta.
O
tempo e a mistura
O
tempo e a mistura foram os principais fatores para a formação de uma cultura
“taliana”, uma cultura própria da serra gaúcha. Da mistura moldou-se aquela que
é a autêntica realidade brasileira, porque “taliana” e não mais italiana ou
tirolesa, e as antigas diferenças e disputas entre batateiros e polenteiros se
perderam com os casamentos mistos e permitiram o surgimento da “língua talian”,
uma mistura de dialetos italianos, de maioria de origem no dialeto vêneto, com
palavras em português, reconhecida como segunda língua oficial brasileira, com
mais de 500 mil falantes no Brasil, e da população residente na serra gaúcha.
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