(Re)
fazendo o percurso de Giuseppe Giácomo Rampanelli
Este
percurso na história inicia-se no final do século XIX, na região do Tirol
Italiano na Áustria e se estende até os dias de hoje, no início do século XXI.
Será contado ao (re) fazer os percursos de Giuseppe Giácomo Rampanelli e Ângela
Nicolodi e de seus descendentes, desde a saída da Áustria, sua chegada ao
Brasil e no Rio Grande do Sul, bem como da mobilidade espacial e temporal de
seus descendentes, na qual este autor se insere. Estaremos assim, ao mesmo
tempo resgatando no processo histórico o percurso dos imigrantes tiroleses e
italianos e sua adaptação ao novo país, o Brasil. Ao final destes percursos,
estaremos fazendo nossa última e decisiva parada, nos recortes de espaço/tempo,
finais e atuais, isto é, num novo percurso, o de retorno às origens.
Esta
história abordada na esfera da vida humana resulta em uma teia única e
homogênea, rica de histórias, signos, símbolos e repleta de significados
encontrados abundantemente no espaço geográfico da vida dos imigrantes
austríacos e italianos e de seus descendentes. Nosso maior compromisso deve ser
com a verdade histórica, aquela feita, a partir de fatos, analisados através de
documentos, fotos e depoimentos.
Tirol Histórico - A Terra dos Nonos
Para
uma melhor compreensão dos imigrantes trentinos que vieram para a América e, em
especial da família Rampanelli para o Brasil, se faz necessário traçar uma linha no tempo para sabermos um pouco da sua
história e mostrar como seu deu a ocupação geográfica do território do Tirol na
Áustria e a influência das diferentes culturas na formação da identidade dos
tiroleses austríacos, fortemente marcada pela religiosidade.
Mapa atual do Trentino Alto Adige, antigo Tirol Italiano. Fonte: https://ontheworldmap.com/italy/region/trentino-alto-adige/trentino-alto-adige-physical-map.html
Em muitos desses palcos tiroleses,
antepassados da família Rampanelli atuaram, em quais palcos e qual foi o
tamanho da sua atuação deixo para a imaginação dos leitores, com a certeza de
que todos eles merecem os nossos aplausos, independente da sua atuação.
A região do Tirol já recebe seus
primeiros assentamentos no seu período pré-histórico, datados de 7.800 a.C. As
primeiras comunidades estáveis acontecem em 4.000 a.C.
Esta região esteve sob o domínio de
diferentes povos e de várias culturas, entre eles os pré-romanos como os
venezianos, etruscos e gauleses, depois vieram os romanos, germânicos,
lombardos, francos e celtas.
Por volta do ano 40 a.C. a região do Trentino era a porta de entrada no Império
Romano e era de fundamental importância para este. Sob a órbita de Roma, deu-se
início o desenvolvimento de cidades com toda infraestrutura romana, como
termas, fórum, etc. A cidade (hoje em dia Trento) foi chamada pelos romanos de
Tridentum, a cidade dos três dentes, talvez por haver três colinas próximas à
cidade que se assemelham a três dentes. Outra teoria afirma ter sido uma
homenagem dos romanos a Netuno, o mitológico Deus dos mares que empunha um
cetro com três dentes.
Mapa da cidade murada de Trento (antiga cidade romana de Tridentum) de
1640. https://creativecommons.org/share-your-work/licensing-considerations/compatible-licenses/
Inicialmente era um acampamento
militar romano (Castrum), depois passou a ser chamada pelo Imperador Romano
Claudis em 46 d.C., como “Splendidum Municipium”. Tridentum como todas as
cidades romanas tinha uma planta quadrangular, limitado de um lado pelo Rio
Ádige, dos outros três lados por muros e fossos, com torres quadrangulares e
portões de acesso, dos quais o principal foi a Porta Veronensis. Também foi um importante entroncamento
rodoviário onde se destacava a via Claudia Augusta, a principal via militar ao
norte. A antiga cidade romana de Tridentum foi descoberta e vive hoje no
subsolo do centro histórico da cidade do Trento. Portanto é possível fazer uma
visita aos vestígios de uma Roma antiga e conhecer a história de uma antiga
cidade sepultada.
A partir do século III d.C.,
começaram a ocorrer invasões de povos germânicos no território romano, com a
incursão de diversos guerreiros, entre eles Átila, no território trentino em
451 d.C.
O Cristianismo já estava estruturado
no Trentino em meados do século IV, seu terceiro Bispo foi San Vigílio que foi
martirizado no ano 400 d.C.
Em 476 d.C., com a invasão dos
bárbaros caiu o Império Romano.
No período de (493-526) sob o comando
de Teodorico a região teve um período de relativa paz.
A partir de 800 d.C., Carlos Magno, o
rei dos francos, é coroado Imperador pelo Papa, e surge assim, o Sacro Império
Romano Germânico, do qual a região trentina passa a fazer parte. A região trentina passou a ser um importante território dentro do
novo Império, devido a sua posição estratégica entre o norte alemão e o sul
italiano e caminho obrigatório para os germânicos chegarem a Roma, fato este
que gerou o interesse dos reis em garantir a paz na região. Para governá-la foi
instituído o cargo de príncipe-bispo que consistia na escolha de uma pessoa,
por um conselho especial da Catedral em Trento, para ser nomeada governante,
que recebia o poder temporal do Imperador e o poder religioso do Papa. Dessa
forma o governo era leal a ambas as partes.
No
ano de 900 d.C., Oto I da Alemanha concede aos bispos trentinos vastos
territórios na região, inclusive Cembra.
Em
1027, Conrado II, voltando de Roma, confere o feudo trentino, assim como
Bolzano ao bispo de Trento Udalrico II. A partir de então o bispo de Trento passou a
contar com enormes poderes sobre o território: era feudatário direto das
terras, e só respondia ao Imperador.
A partir de 1200, os condes do Tirol foram se
encarregando do controle militar da região trentina. Sua força era muito grande,
e de seu castelo, em Merano, passaram a dominar a região que corresponde hoje
ao Trentino – Alto Àdige até o Estado do Tirol, na Áustria. Assim nasce o Tirol
em 1248 e leva o mesmo nome do castelo dos condes, enfim o Condado do Tirol,
unido a duas dioceses episcopais, a de Trento e de Bressanone.
Castelo do Tirol
– Residência dos Condes do Tirol, responsáveis militares pelo Condado do Tirol
e protetores dos Episcopados de Trento e Bressanone. O castelo está localizado na cidade de Merano próxima de Bolzano, na região de Trentino –
Alto Ádige. Fonte: Dreamstime, foto de estoque isenta de royalties.
Assim até meados dos anos 1800 o
Principado de Trento é um pequeno Estado dependente do Imperador. O Bispo tem
direito de assento e voto nas questões do Império, têm o comando militar e
soberania absoluta sobre os vassalos.
Portanto do final do século XI
(1.100) até o início do século XIX (1802) a região do Trentino foi um
Principado Episcopal, administrado exclusivamente pelo clero. O Bispo de Trento era o senhor (proprietário)
e chefe político da região, suserano, das terras, essas eram concedidas aos
Condes e Barões e esses as dividiam com os camponeses que as trabalhavam como
servos da gleba, dando ao senhor a maior parte da produção.
Tirol/Áustria
– Napoleão Bonaparte na terra dos nonos
Esta região do Tirol
tinha uma configuração geográfica única, onde seus habitantes viviam isolados
em vales estreitos, quase inacessíveis, espremidos por altas montanhas cobertas
por bosques, situadas ao longo da bacia do rio Ádige.
Região do Trentino
na bacia do Rio Ádige (centro da foto) onde viveram nossos antenati e ainda vivem
muitos Rampanelli na Itália. Cembra
San Michelle, Nave San Rocco.
Trento. Rovereto.
Rio Ádige.
Entre
os nomes da família, encontramos, ao retroagir às origens, o de meu
tataravô Giacomo Rampanelli, com nascimento próximo ao ano de 1800, casado com
Marianna Vezzan. De Giacomo até os dias de hoje, 2025, são nove
gerações da família Rampanelli. Os “antenati” Giacomo e Marianna são os pais do
meu bisavô Giuseppe Giacomo Rampanelli o que emigrou com sua família para o
Brasil em 1875. Os tataravós Giacomo e Marianna não emigraram para o Brasil.
Giácomo
e Mariana nasceram no Trentino (Tirol italiano)
e viram sua família aumentar nas comunidades de San Michelle, Nave San
Rocco, Spormaggiore e Sporminore, locais onde nasceram seus filhos. Viveram sua
infância no período em que os franceses de Napoleão Bonaparte tinham o domínio
dos reinos do norte da península italiana, entre as regiões de seu domínio
encontrava-se o Tirol italiano na Áustria. O autor Benvenutti em sua obra “In Storia Di Cembra”
nos relata que:
“Em 20 de março
de 1797 os franceses de Napoleão Bonaparte alojam-se em Cembra, fazem da Igreja
seu quartel e consomem quase todos os víveres da pequena cidade, causando por
incêndio e destruição o aniquilamento de muitas casas e bosques” (BENVENUTTI,
1994, p. 264, apud ZANOTELLI, 2011, p.)
No final do século XVIII, toda a
região trentina, onde se inclui Cembra, passa a sofrer, assim como o resto da
Europa, com o poderio militar de Napoleão Bonaparte (1769-1821), que pretendia
estender sua influência sobre toda a Europa.
No outono de 1796 as tropas francesas
haviam conquistado o território do norte da Itália. Neste mesmo ano ocorre a
primeira invasão das tropas napoleônicas ao Trento, mas também Napoleão
enfrentou a sua primeira grande derrota, apesar do seu exército ser considerado
invencível.
Cidade murada do Trento em 1850. Antiga cidade romana de Tridentum. Fonte: https://angelinawittmann.blogspot.com/
Durante
as primeiras tentativas de ocupação francesa no Tirol, atiradores tiroleses
combateram as tropas invasoras nos vales e montanhas da região do principado
tridentino.
No
seu avanço rumo ao Tirol do Sul, através do Vale de Cembra, utilizando o vale
do rio Avísio que era considerada uma rota mais fácil e segura do que a do
pantanoso Vale D’Ádige, as tropas de Napoleão, comandadas pelo general Vaubois
ataca as vilas de San Michele All’Àdige, Lisignago/Cembra e Segonzano com três
colunas distintas de soldados.
Panorâmica do Vale de Cembra que foi rota de
passagem das tropas francesas de Napoleão Bonaparte rumo a Viena na Áustria, local
de embates com os tiroleses, como na batalha pelo Castelo de Segonzano em
1796. Fonte: https://www.simplybetterwines.com/valle-di-cembra.html.
Este episódio, conhecido na história
como a Batalha de Segonzano, uma feroz disputa pelo Castelo de Segonzano, com
as tropas de Napoleão Bonaparte. O castelo era considerado um ponto estratégico
militar e foi queimado pelos franceses na sua retirada.
Castelo de Segonzano no Vale de Cembra. Palco de disputa
entre tiroleses e tropas napoleônicas. Segonzano foi considerado pelos
tiroleses de língua italiana como a Bergisel do Trentino. Fonte: https://www.visittrentino.info/en/guide/must-see/castles/castello-di-segonzano_md_2408.
O
Vale de Cembra não possuía exércitos regulares, tinham apenas companhias de
milícias, sem militares treinados, que eram recrutados entre os habitantes
locais, a maioria de camponeses. Nessa e em outras situações de emergências
havia um chamado às armas (leva in massa ou levante em massa) para que todos os
homens fossem chamados para defender as fronteiras do vale. Para muitos homens as suas armas eram apenas
as ferramentas de trabalho do seu dia a dia.